A imagem que recordo de pequeno,
era de uns senhores com os braços cobertos com uma pano preto,
que escreviam números e letras desenhadas nuns livros muito grandes-
- eram o que mais tarde vim a saber, conhecidos como mangas de alpaca .
Levavam o dia a arrumar números sem conta, e depois repetiam-nos muitas
vezes, sempre devidamente alinhados .
A espaços contavam pilhérias, cuspiam no escarrador, diziam palavrões e
fumavam cigarros após cigarros .
Não havia cá funcionários públicos, nem agentes do Estado .
Para mim eram os senhores das finanças, do tribunal e do grémio da lavoura.
E do registo civil .
E os da câmara municipal .
E os guardas republicanos, claro .
Conhecia quase todos,
eram amigos da minha família e gostavam de brincar comigo .
Foram para mim uma segunda escola, a da vida .
Faziam-me tropelias, contavam-me anedotas do piorio,
ensinavam-me coisas de adultos,
às vezes até me davam rebuçados ou bombons .
Sempre gostei de ver aquelas canetas enormes, com uns aparos trabalhados,
e olhar para aqueles números e letras tão bem desenhados .
Talvez que a minha paixão pelo desenho tenha começado aí,
ao reparar naquela tarefa hábil e demorada, com todo o cuidado,
riscando os traços e as linhas ondeadas , dispostos religiosamente nos tais
livros , e depois poisar o mata-borrão, lentamente, para as secar .
Talvez ...
.