quarta-feira, 21 de maio de 2014

PORQUÊ COLECCIONAR ?

De muito novo fui educado a não desperdiçar nada.
Mesmo nada .
Então guardava tudo, mesmo quando não sabia o destino 
a dar às coisas que ia encontrando .
Fui aguçando a minha curiosidade,
e refinando a minha técnica de recolha de coisas .
Guardar porquê e para quê ?
Logo se veria .

Assim me tornei um furioso caçador / recolector / coleccionador .

Devo acrescentar que as necessidades daquele tempo, favore-
ciam este tipo de postura perante a vida .
A população inteira colaborava activamente na reciclagem e na
reutilização e inventava novas aplicações para as coisas, os obje-
ctos e os materiais .
Na minha meninice não se bebia café, mas uma mistura bem do-
seada de uma migalha de café, grão torrado, chicória e cevada .

Mais tarde, à míngua de brinquedos que nunca tive, eu próprio os
construía ; bastava uma faca bem afiada, matérias primas muito
simples - madeira, cortiça, cascas de árvores, canas, e depois um
pouco de engenho e muita paciência .

Comecei também por receber santinhos da catequese, pratinhas
dos chocolates, caixas e serrinhas das próprias injecções que eu 
levava no consultório do Dr. Melo, dadas com mestria pela
D. Lurdes .

Tornei-me um artesão encartado, e ainda hoje tenho as marcas 
das facas, canivetes e navalhas .
E também algumas marcas de uma ou outra sova, por me ter
dedicado a este tipo de actividade .

Depois vieram os selos, que as minhas tias e suas amigas me 
guardavam, que vinham nos envelopes carregados das saudades
de quem estava longe, não se sabia muito bem de onde, nem 
porquê .

O meu pequeno mundo ia-se abrindo aos meus olhos de menino
ladino e inquieto.
Chegavam novas de Montevideu, Buenos Aires, Brasil, Canadá,
Estados Unidos .
Mais tarde dos Congos (Leo e Brazza , da África do sul e da
Áustrália  .

Eram verdadeiros quadros coloridos, com nomes estranhos e com
moedas que eu ia decifrando com o tempo .
E era eu ainda que construía as carteirinhas e os albuns para juntar
e arrumar esses tesouros .

Portanto, porquê coleccionar ?
Por nada, se calhar .

No entanto, foi o que me tornou um homenzinho, sem qualquer apoio
de materiais escolares, me deu a conhecer o belo, me forneceu uma 
grande capacidade de sobrivência e um enorme poder de crítica e 
auto-crítica .
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