A NAIFA .
Muitas vezes ia com o meu avô
para a horta .
Manhã muito cedo, noite ainda, que a vida no campo
era assim mesmo dura .
Levantávamo-nos, literalmente, com as galinhas .
Eu gostava de ir com ele, ensinava-me muitas coisas .
Raramente via o meu avô a rir, mantinha sempre um
ar muito sério e de poucas falas .
Recolhíamos os ovos, apanhávamos a fruta, os legumes,
destapávamos o poço, para deixar passar a água da rega,
mas o que eu mais gostava era ir tapando e destapando
o caminho da água, que ia deslizando encosta abaixo .
Era um verdadeiro trabalho de engen-
haria hidráulica .
Semear batatas também era bom, partiam-se às metades,
escolhia-se com cuidado a zona onde cresciam os grelos
e enterravam-se ligeiramente na terra .
Como eu mais gostava de apanhar a fruta, na esperan-
ça de apanhar os melhores figos, as ameixas mais
vistosas, as maçãs mais saborosas .
Normalmente comiam-se directamente
da árvore .
O melhor de tudo era o almoço ( para o meu avô, era o
jantar) .
Quando o meu avô puxava a naifa começava a função .
A faca cortava muito bem e era manejada com grande
destreza . Quase que não apreciava a comida, ficava pre-
so nos golpes certeiros com que o meu avô ia cortando
os pedaços de broa, toucinho e queijo .
Depois da sesta, por vezes era o descascar das pêras e
dos pêssegos, e cortá-los, para depois pôr nos tabuleiros
a secar .
O meu avô limpava a naifa, dobrava-a
e guardava-a religiosamente no bolso
do colete .
Que inveja .
O meu sonho era vir a ter uma naifa daquelas .
E cortar a torto e a direito.
Ter uma ferramenta que me permitisse voar com os meus
barcos, aviões, carros .
Ainda hoje,a minha tarefa preferida é
descascar as batatas e os outros legumes
para preparar a sopa .
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