Publicado no Boletim Rede - Coluna "Contexto Internacional", Ano II, no.22, outubro de 1994
CAALL - Centro Alceu Amoroso Limapara a Liberdade, Petrópolis, RJ.
O HAITI FOI LIBERTADO ?
João Sette Whitaker Ferreira
Agora que a invasão do Haiti se consumou, vale a pena voltarmos novamente a refletir sobre aquele pais. E com essa reflexãoE com essa reflexão, tentar analisar um pouco mais a ação das grandes potências no cenário internacional.
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A invasão do Haiti em nada mudou a política que vinha sendo adotada pelos EUA em relação àquele país. Os EUA sempre apoiaram a alta elite econômica haitiana, mantenedora de bons negócios com empresas americanas de grande porte. Nunca prestaram atenção à imensa maioria de miseráveis que a economia haitiana sempre produziu. Foram surpreendidos porém, quando essa maioria, organizada num amplo movimento popular chamado Lavalas, conseguiu em 1990 levar à presidência, pelo método legítimo das eleições, um teólogo da libertação defensor da causa do povo, o Pe. Aristide.
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Como diz o intelectual americano Noam Chomsky em recente entrevista à Folha de S.Paulo, os EUA fizeram de tudo para derrubar o novo presidente. Interromperam toda ajuda econômica que não fosse destinada à elite empresarial haitiana, e começaram a trabalhar para o enfraquecimento de Aristide e do movimento Lavalas. Não foi à toa que Cedras, ex-agente americano, tomou rapidamente o poder.e o poder.
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Para manter sua imagem , os EUA logo aderiram ao chamado "bloqueio econômico internacional" contra a nova ditadura, reconhecidamente ilegítima. Mas por traz, além de divulgar acusações sistemáticas visando qualificar o presidente deposto Aristide como fanático, irresponsável e até louco, nada fizeram para impedir o comércio com o Haiti. Muitos dizem que de tão pequeno, é um pais onde os EUA nem sequer têm interesses. Se isso fosse verdade, por que gigantes como a Texaco violaram o embargo, sem qualquer punição do governo americano? Ainda segundo Chomsky, as relações comerciais entre os dois países aumentaram em 50% desde o começo do governo Clinton, apesar do embargo. Vemos as duas faces da política do embargo. Se permitiu uma imagem internacional apropriada, não impediu que as elites daquele país continuassem seu frutífero comércio. Mas com certeza, nos ítens em que o embargo foi aplicado, acabou causando ainda mais sofrimento à já miserável população daquele país.
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O que a invasão trouxe de novo a esse quadro a não ser uma imagem pos ser uma imagem positiva para os EUA frente à comunidade internacional? Por um lado, apesar do disfarce "humanitário", não impediu a continuidade da sistemática destruição da frágil democracia que surgira no Haiti com a vitória de Aristide. Quem leu o acordo proposto por Carter deve ter se surpreendido com o fato de ele nem sequer falar da possibilidade da volta de Aristide à presidência. Não fala também em deposição de Cedras, mas na "aposentadoria antecipada e honrada de alguns oficiais do exército". Não fala ainda em invasão, mas em "atividades militares coordenadas com o alto comando haitiano" !
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No entanto o povo haitiano se mantém firme. Por isso Aristide pôde repudiar inicialmente o acordo e obter certas garantias a volta dos legítimos governantes. No complexo jogo de negociações com o governo americano, aliado porém inimigo, podemos estar certos que Aristide não mudou de posição sem conseguir ganhos efetivos.
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A exposição à mídia fez com que o mundo visse, via TV, quem são os verdadeiros assassinos no Haiti. Ficou claro que as atrocidades dos grupos paramilitarerupos paramilitares não são simples invenção dos defensores dos direitos humanos. Por fim, o mundo pôde ver a luta e a resistência de um povo, que perduram apesar de tanto sofrimento.
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Enquanto Aristide não volta, vemos agora um pais onde a polícia massacra publicamente centenas de pessoas, sob as vistas grossas dos soldados americanos, que não "intervêm nas questões internas do Haiti". Parece até que interessa aos EUA a instalação de um clima interno de terror e instabilidade, que dificultará em muito a vida de Aristide, quando ele voltar. Quem sabe não é também interessante aos EUA mostrar ao mundo um Haiti incapaz de viver democraticamente, onde mesmo com eles lá o povo ainda se mata? Esquecem de dizer, no entanto, que a matança é patrocinada pelas elites que sempre dominaram o país, com o apoio deles.
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Em tempo: precisamos reconhecer os esforços incansáveis dos inúmeros grupos dentro dos EUA que defendem os interesses do povo haitiano.
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