domingo, 30 de abril de 2017

O SONHO INACABADO .

Saímos sempre os três, calçada a baixo, 
logo pela manhã, de mão dada .

Começávamos pela Manif do PCP, gente trabalhadora e que
madrugava, chegávamos ao Marquês de Pombal, pessoas de
lancheira, atarefada ainda a dar os últimos retoques para
a Festa, bandeiras vermelhas, ao som do Avante, e da Inter-
naional .
Encontrávamos sempre gente conhecida e perorávamos um 
pouco sobre o futuro, dizendo mal do passado .

Depois de o almoço, assistíamos um bocado ao pique nique, 
em regra montado na Alameda Afonso Henriques ,
Havia música portuguesa variada, comida à discrição, muitas
crianças em barafunda, e depois os discursos dos camaradas,
Ficávamos algum tempo na galhofa, mandando bocas uns aos
outros, com malta amiga e conhecida de muitos anos .
A Manif Festa prolongava-se pela tarde adiante .

De noite, já cansados, subíamos ao Largo do Carmo, ou aportá-
vamos à Rua António Maria Cardoso, uma Rua de má fama, 
éramos poucos, mas tesos, com a raiva estampada nos rostos, sem-
pre em busca da revolução que nunca mais chegava, tantas ve-
zes maltratada, traída a cada passo . 
As palavras eram duras e desafiadoras, às vezes com a polícia por
perto a vigiar .
Três pessoas da mesma família, cada uma selas incarnando dife-
rentes ideais, três visões diferentes sobre a vida, 
uma oriunda da esquerda fixista, outra da esquerda reformista 
e ainda outra que navegava na esquerda revolucionária .

Todos diferentes, todos iguais .

Todos na ânsia de alcançar o País e o Mundo, que todos pensáva-
mos e com que todos sonhávamos.
Todos com o mesmo objectivo, mas que poderia a ser alcançado 
por vias distintas .
.


sexta-feira, 28 de abril de 2017

O ANJO DA GUARDA .

Já não és o meu anjo da guarda
a minha estrela da manhã
o meu raio de sol
o meu amor de perdição
passarinho da ribeira
a minha princesa encantada
barca dos sete lemes
minha aurora boreal

Já não és o meu cavalo alado
a minha fada madrinha
a minha estrela do mar
meu navio sem âncora
minha gota de orvalho
o meu peixinho dourado
a minha candeia acesa
a minha estrela polar

Não, não és mais a minha bússola
a minha gata borralheira
farol na noite mais escura
minha musa encantada
meu patinho feio
andorinha rasgando o céu
na linha do horizonte
a minha estrela cadente

Já não és o meu relâmpago
o meu arco íris pintando o astro
o meu farol no nevoeiro
meu pássaro de asas feridas
meu navio encantado
o meu cálice tinto de sangue
minha espera dolorida
minha ilusão perdida
.











quinta-feira, 27 de abril de 2017

O TERRÍVEL DILEMA .

Foi uma época difícil da minha vida .
A Guerra Colonial acompanhou-me durante o meu curso
inteiro .
Começada em 1961, estender-se-ia por toda uma eternidade .
A continuação dos estudos dava-me uma certa margem de se-
gurança, podia ser que a guerra não demorasse muito .

Mas, à medida que o tempo encurtava, e tinha que fazer sem-
pre as cadeiras  todas, ia aumentando a minha angústia, e via os
amigos mais velhos partir para a guerra, e outros, embora em
menor número, a desaparecer do mapa, e a fugir para longe, es-
capando ao Serviço Militar .

Era evidentemente uma opção de classe e também uma escolha
de classe, mas era sobretudo uma decisão interior profunda, ir
combater numa guerra injusta, para não dizer imoral, ou ficar e
arcar com todas as consequências de tal gesto .

Passávamos horas intermináveis a discutir os prós e os contras,
milhares de vezes, o que poderia ser o nosso futuro, e qualquer
das hipóteses de escolha, era muito difícil de sustentar .

Havia quem arranjasse maneiras de ir alongando o tempo de estu-
do, tentando uma carreira académica, uma especialização no estran-
geiro, uma selecção para um lugar numa empresa ou num serviço,
considerados de grande utilidade para os desígnios da Pátria, hou-
ve muita malta graúda, que aguardava uma incorporação numa data
e numa posição mais favoráveis, e houve tanta outra gente que, sim-
plesmente se pirasse para bem longe .

Então, que fazer ?...

Acabei por ficar .

Acabei por tentar jogar na roleta russa, e ganhei .

A sorte iria contemplar os a minha audácia ..

Cumpri um longuíssimo tempo de tropa, 
mas como Oficial Miliciano, na especialidade de FOTO CINE,
onde militariam quase todos os artistas da guerra .
.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

A SORTE PROTEGE OS AUDAZES .

Ou mato ou morro .

Num grupo de militares, gabava-se um deles :

Quando estou atrapalhado, numa situação mais
difícil, resolvo-a sem pestanejar.

Ou morro ou mato .

Responde-lhe outro :

É pá, isso é que é valentia .

E diz o primeiro :

Nada disso, ou fujo pelo mato, ou fujo pelo 
morro .
.

A GUERRA DAS PALAVRAS .

A contra informação .

Rádio Moscovo não fala verdade (não fala verdade) .
Quase todos os dias eram-mos metralhados com a propa-
ganda emanada por um senhor, de sua graça Ferreira da 
Costa, um tipo de extrema direita, na rádio e na televisão, 
cantando loas acerca da guerra colonial, e das suas benes-
ses .

Não era fácil saber-se a verdade acerca dessa guerra, pois
a censura feroz nada deixava transpirar, e os soldado tin-
ham medo e eram instrumentados a  manter segredo de 
tudo o que acontecia em África .

A solução era tentar ouvir outras rádios internacionais, de
preferência a BBC . 
Ouvia-se, às escondidas, a rádio Argel, onde pontificava o
camarada Manuel Alegre, e ainda a rádio Moscovo .

Era outra guerra, a guerra do silêncio e do boato, quase tão
mortífera como a guerra real .

A certa altura foi criado na RTP, um programa sobre a guer-
ra colonial, que era assegurada por Júlio Isidro, alferes do Ser-
viço Cartográfico do Exército, da Divisão de Fotografia e Cine-
ma, chefiada pelo então Major Babtista Rosa, que era também
alto funcionário da RTP .

Uma das tarefas da minha tropa, era visionar cópias de filmes,
cedidos pela Embaixada Americana, seleccionar aqueles que pu-
dessem ser vistos pelos nossos soldados, na Metrópole e nas ini-
dades instaladas em África, filmes que não perturbassem o mo-
ral e ajudassem a distrair a malta .

Mas, à medida que a guerra subia de tom, foram utilizados ou-
tros métodos de obtenção do informação mais sofisticados, mas
isso era já de outro domínio .
.



terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de ABRIL, O Orgasmo da História .

 Aos Heróis Desconhecidos .

Quem ficou na História, foi o Capitão
Salgueiro Maia, herói claro e límpido, 
porque morto, símbolo do Heroísmo e
da Coragem, e porque obedeceu rigoro-
samente às ordens ciosamente recebidas .

Otelo, Melo Antunes, Vasco Lourenço,
e tantos e tantos outros, soldados e mari-
nheiros anónimos e desconhecidos, parti-
lharam também essa maravilhosa aventu-
ra da conquista da 

DEMOCRACIA .

Nada me move contra o valente Capitão, 
o Herói do Terreiro do Paço e do Largo do
Carmo, foi ele quem deu o corpo ao mani-
festo e ofereceu o peito às balas.

Mas quantos emprestaram, às vezes em 
condições e dificuldades extremas, o seu 
labor e a sua inteligência, 
para que fosses nossa 

ó LIBERDADE

e que jamais virão nos manuais de Histó-
ria .

Para eles, a minha humilde Homenagem .
.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

A SANGRIA DE UM POVO .

Nunca ninguém os soube contar .

Cem mil fugidos ao Serviço Militar .

8 Mil desertores .

Quase um milhão de soldados feitos à pressa,
feridos e estropiados às dezenas de milhares .
Mortos, em todos os lares de Portugal .
Apanhados na vertigem do stress pós traumático .
Lares desestruturados sem conta .
Pais que ficaram sem filhos .
Filhos que não chegaram a conhecer os pais .

Um País dilacerado, migado aos pedaços, desconjuntado,
sem passado e sem futuro .

Portugal empobrecido pela falta de muitos dos maia aptos,
dos mais capazes, País sempre ferido, sempre adiado, exau-
rido, roído até ao osso .

E a raiva dos que passaram pela guerra, a dor dos que fica-
ram, a saudade dos que partiram, e a ira e a incompreensão 
dos que foram obrigados a retornar .

E tudo foi cicatrizando lenta e dolorosamente,  suportando
o enorme choque social, psicológico, económico e político, de
que ainda não recuperamos totalmente .

É muito para um povo enorme, fechado num País tão peque-
no e tão desgraçado .

A minha geração viveu tudo isso e muito mais, sem um pio,
mas com uma revolta do tamanho do Mundo .
.

domingo, 23 de abril de 2017

CARTA A UMA JOVEM PORTUGUESA .

UMA BOMBA AO RETARDADOR .

Carta a uma jovem portuguesa .

Vou escrever para ti, jovem portuguesa e particularmente
para ti, jovem estudante da nossa cidade(...) .

Sou um jovem que vive dentro de uma realidade juvenil, a 
que quer compreender e a que que afirmar-se .

Por essa afirmação quero combater . A minha realidade é
igual à tua. Somos jovens . A minha liberdade não é igual à
tua . Separa-nos um muro, alto e espesso, que nem tu nem 
eu construímos .

A nós rapazes, de viver do lado de cá, onde temos uma or-
dem social que em relação a nós nos favorece .

Para vós raparigas, o lado de lá desse muro ; o mundo in-
quietante da sombra e da repressão mental.
Do estatismo e da imanência(...) 

Beijas-me e sofres . Dizes, não o devia ter feito, porque jul-
gas que o deverias ter feito .

Marinha de Campos Via Latina,
Semanário da Associação Académica de Coimbra,
1961 .


Carta aberta a todas as jovens, carta anónima, uma carta inofensiva que
hoje em dia nos faz sorrir com grande ternura .

Todavia, à época, numa sociedade dividida entre os jovens que frequenta-
vam as Repúblicas de Coimbra, e as raparigas arrebanhadas nos lares de
pobres meninas, chegadas da Província, tementes a Deus e às freiras, mui-
tas delas com temor e vergonha do seu próprio corpo e da própria realida-
de social em que estavam inseridas, a carta foi uma bomba que explodiu
com enorme estrondo, na caduca e obsoleta Academia Coimbrã, lançado 
estilhaços em todas as direcções .

Numa altura em que os ânimos já estavam sobejamente exaltados com as
novidades acerca da guerra que todos nós teríamos de suportar, sabe-se lá 
quando e em que condições, a carta funcionou como um sinal de alerta ge-
ral do perigo mortal a que iríamos ficar sujeitos, a qualquer hora e a qual-
quer pretexto .

Fàcilmente o incêndio se propagou às outras Academias, tocando a rebate
e inventando as modalidades de luta contra os senhores da Guerra .
.


sábado, 22 de abril de 2017

O DIA DO ESTUDANTE - 1961 .

A Cereja no topo do Bolo .

Faltava qualquer coisa naquele desgraçado ano de 1961 :

A bronca do dia do estudante .

O acontecimento já era comemorado em anos anteriores,
mas com o eclodir da Guerra Colonial, Portugal e, em es-
pecial, a população estudantil, estava em polvorosa, após
a incorporação, ou a ameaça de incorporação forçada, de
oficiais milicianos, que seriam mandados combater numa 
guerra com a qual nada tinham a ver .

O pânico e a desorientação total dos dirigentes fascistas 
foi enorme, sem poderem prever as reais consequências de
tal acto .
Foi o detonador de uma convulsão que iria culminar no sen-
timento generalizado de indignação e revolta de milhares de
jovens universitários, por todo o País, e viria a ser a semente 
da grande explosão da ser a Revolução do 

25 de Abril .

Ao ano de 1961, viriam a seguir-se réplicas, cada vez mais ,
violentas, com que ondas de choque imprevisíveis, que amea-
çaram e acabaram por derrubar o regime vigente desde 1926 .
.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

1961 - A QUEDA DE GOA, DAMÃO E DIU .

Vassalo e Silva,
vacila e salva-se .

" o Crime de um falso pacifista", 

foi a manchete do Diário de Notícias, 
referindo-se a Nehru,  A invasão de Goa ocupou quase toda a 
primeira página desse dia, dando ainda destaque ao que jornais
britânicos escreveram sobre o assunto .

DN, 18 de Dezembro de 1961 

Bastaram-se apenas 36 horas para terminar com o domínio por-
tuguês em Goa, Damão e Diu .

Salazar enviou de imediato um navio de guerra para a Índia, na-
vio que avariou (ou foi sabotado) quando atravessava o Canal do
Suez .
(Ainda hoje lá deve estar a carcassa),

e deu horas para que os soldados portugueses combatessem até ao
último homem .

O Comandante da Guarnição, General Vassalo e Silva desobedeceu 
às ordens do Jesuíta, acabando por a nossa tropa ter ficado refém 
durante meses, em solo indiano .

Como poderiam 3300 soldados portugueses oferecer resistência a
45000 soldados indianos ?

Coisas de loucos ...

Conta-se que houve um general que aconselhava o Velho Ditador 
a declarar guerra aos americanos . 
Estes tomariam conta do País, instaurariam um Plano Marchall, 
e assim desenvolveriam Portugal .

Respondeu o Ditador, todo ufano :

Pois, isso é muito bonito,
e se nós ganhamos a guerra à América ?...

Quando os britânicos deram a independência à União Indiana,
Portugal recusou entregar os territórios que ainda estavam sob 
domínio indiano .

Só em 1974, a independência desses territórios viria a ser recon-
hecida pelo nosso País .
.

.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

PORTUGAL AMORDAÇADO .

Seguiu-se o período do Estado Novo, o tempo em que a História de
Portugal parou, esquecido nas brumas da Memória .

A Iª. República constituiu a vivência da agitação, da alternância de
poderes, de Magistérios, de golpes e contra golpes, o poder de bloco
central, dividido pelas duas principais facções do novel Partido Repu-
blicano .

Foi  pois, com algum alívio, que as tropas comandadas por Gomes da
Costa e Mendes Cabeçadas, se lançaram, a partir de Braga, numa enor-
me passeata, rumo à capital, num Rally Paper a cavalo, por entre vivas
e olés, para gáudio da populaça .

Foi o Célebre 28 de Maio, de 1926 ,

Que rapidamente daria lugar a um regime de partido único, com supres-
são de todas as liberdades, com censura, com polícia política e tribunais
especiais .

Pobre povo, que tudo aguenta .
Tinha acabado o tempo das rameiras e do vinho
verde .

Vivia-se agora,

O ESTADO NOVO VELHO

DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA .

SALAZAR E CEREJEIRA .

A Guerra Civil de Espanha .

A 2ª. GUERRA MUNDIAL 

e o HOLOCAUSTO .

A Neutralidade alinhada .

O tempo das Fascismos .

O Orgulhosamente SÓS .

A GUERRA COLONIAL .

E TUDO O VENTO LEVOU .

A LIBERDADE RECONQUISTADA .

O Retomar do Orgulho de Português .

.


quarta-feira, 19 de abril de 2017

Mudam-se os tempos, permanecem as vontades .

A chegada da República foi um aconteci-
mento de extraordinária importância .

A sociedade portuguesa estava farta de aturar as caturrices de uma
Monarquia gasta e velha, habituada a todo o tipo de desmandos, so-
frendo na pele, a prepotência e os caprichos das classes dominantes, 
de cariz folclórico e arcaico .

Por seu lado, os ideais republicanos tinham-se instalado gradualmen.
te, sobretudo nos meios urbanos, tendo do seu lado organizações de
carácter revolucionário, como a Maçonaria e a Carbonária .

Talvez por isso a Monarquia tenha sido facil-
mente derrubada coum simples sopro .

A ditadura de João Franco tinha-se tentado firmar contra a vontade 
popular, cada vez mais explorada .

Estavam pois criadas para o derrube do Antigo Regime .

O assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Herdeiro, deram a macha-
dada final no regime monárquico .

.

terça-feira, 18 de abril de 2017

1961-O "Annus Horribilis" de Salazar .

O principio do fim do Estado Novo ocorreu no ano em que 
deflagrou a Guerra de Angola, caíram a Índia e Ajudá, fal-
hou um golpe de Estado e um navio e um avião foram des-
viados por oposicionistas .

Revista Visão
13 de Dezembro de 1961

O velho Ditador buliu, 
tremeu mas não caíu .

Foi muita fruta, para um ano só - 1961 .

Iniciou-se a Guerra Colonial, com o levantamento dos traba-
lhadores das plantações de algodão e café, com a chacina de
muitos negros, na Baixa do Cassange . 
A revolta foi, ferozmente reprimida por tropas especiais e pe
lala aviação portuguesas .

O Capitão Henrique Galvão, saído das fileiras do Exército
Português e que aderiu ao campo da Oposição Democrática,
tomou de assalto o Paquete Santa Maria, ao comando de um
grupo de revoltosos, e passeou-se com ele pelos mares das Ca-
raíbas, na chamada Operação Dulcineia .

No princípio de Fevereiro, desse mesmo ano, teve lugar o assal-
to às prisões civis e militares de Luanda, levada a cabo pelas tro-
pas do MPLA, Movimento pró-Soviético , dirigido por Agostinho
Neto .

Logo a seguir, a UNITA, grupo armado por Holden Roberto, a
soldo dos americanos, levou a cabo a matança de muitos colo-
nos brancos (conta-se que 800 brancos e mais de 1200 africanos).

Tinha começado a sério, a Guerra Cononial, que iria levar quase 
um milhão de soldados a passar pelas terras africanas, com  con-
sequências profundas, que iriam mudar completamente o destino
de Portugal .

Logo de seguida, a Guerra estendeu-se, como um rastilho, à Guiné
e a Moçambique .

Começou mal o início do fim do Sacro Impé-
rio Colonial Português .

Em Agosto de 1961, a Republica do Daomé, apoderou-se de um 
pequeno, mas simbólico território, a Fortaleza de São João Baptista,
de Ajudá, devido a ter sido no passado, um importante entreposto no 
comércio de escravos .

Em Novenbro, um antigo resistente anti fascista, Hermínio da Pal-
ma Inácio, raptou um avião Super Constellation, da Tap, espalhando
panfletos anti- fascistas, pelos campos do Alentejo e por terras de Ma-
rrocos, fugindo para a Argélia .

Já no fim do ano, teve lugar o golpe de Beja, levado a cabo por um gru-
po de militares afectos ao General Humberto Delgado, golpe que viria
a ser abortado e desmantelado .

Por último, mas não por fim, iria desenrolar-se o drama da tomada dos
territórios indianos, no final de 1961,  deixando Salazar à beira do de-
sespero .

Mas isso, é um fado para ser cantado amanhã ...
.







segunda-feira, 17 de abril de 2017

o Reviralho .

Nome genérico e irónico dado pelos do regime fascista aos pretensos
revolucionários, devido  ao elevado número de intentonas e fracassos 
de golpes e pronunciamentos, a seguir à implantação da ditadura .

Os do reviralho, seriam os que pretendiam reverter o sistema vigente
após o 28 de Maio, de 1926 .
O nome pegou, e assim ficariam conhecidos os oposicionistas ao dita-
dor Salazar .
O termo permaneceu na história trágico- política, até à criação do 
MUD- Momento Unitário Democrático, que pretendeu reunir as dife-
rentes correntes de opinião adversas ao fascismo .

Contam-se mais de dez , as tentativas de derrubar o regime, quase to-
das mal preparadas, sem qualquer base de apoio, em regra comanda-
das por antigos oficiais na reserva ou políticos que foram afastados no 
quadro republicano .

A cada golpe falhado, seguiam-se prisões e deportações de muitos pa-
triotas. 
Outros acolhiam-se no exílio e no degredo .

A cada movimento revolucionário, Salazar viria a fortalecer cada vez 
mais o sistema policial repressivo, designadamente com a criação de
uma polícia especializada e de um tribunal próprio para julgar os di-
tos crimes políticos .
.

domingo, 16 de abril de 2017

A GUERRA EM VÁRIAS FRENTES .

O alastrar da guerra .

A Guerra Colonial desencadeou-se no Norte de Angola,
nas terras do café, nas grandes plantações a perder de vista,
e com o assalto à cadeia de Luanda .

A UPA- União dos povos de Angola, foi o inimigo mais co-
necido  mas, a pouco, viriam a emergir diferentes Movimen-
tos de Libertação, o MPLA, de tendência marxista, apoiado
pela Rússia e pela maioria dos países africanos, a FNLA, apoi-
ada pelos chineses e a UNITA, apoiada pela África do Sul .

O teatro de operações foi alastrando a diferentes zonas de An-
gola, a leste e a sul do país .

Pouco tempo depois, novas frentes de batalha se estabeleceram,
espalhando o já tão parco Exército Português, pelos pântanos
da Guiné e pelas florestas de Moçambique .

Era a guerra total, apadrinhada por todos, apoiada pelas potên-
cias tradicionalmente vendedoras de armamento, que jogavam
em todos os tabuleiros .
Era também uma guerra envergonhada, jogada às escondidas
nos matagais africanos .

Salazar e os seus aliados, gente velha e decrépita, com grandes
interesses coloniais, ávido das riquezas e do sangue dos desgra-
çados, sem vergonha e sem futuro, apoiados nos grandes mono-
pólios com raízes da chamada Metrópole, foi uma enorme opor-
tunidade para a rapina desenfreada, sob o manto diáfano do pa-
triotismo bacoco e ultramontano .

Avançou sem medos e sem decoro, rumo ao desastre anunciado,
até que os capitães de Abril puseram cobro a essa tragédia .

Foi muito feio e muito mau, o papel que Portugal desempenhou
nestes tempos de chumbo .
.

sábado, 15 de abril de 2017

O SERVIÇO MILITAR :

Ó 31, esta é a tua mão esquerda,
esta é a tua mão direita .

Então, diz lá tu agora :

Qual é a tua mão direita ?

Não sei, o meu sargento baralhou-as ...

.

Todo o sargento deve saber ler e escrever,
pode o oficial não saber .

No primeiro quartel do Sec.XX, Portugal era ainda um País muito
atrasado, que chocava os visitantes que por cá veraneavam, ou que 
vinham a negócios .

Atente-se com um pouco de critério, nas aparições de Fátima, e na-
quele folclore todo relacionado com tão espantoso acontecimento .
Ainda hoje, um século depois, estamos à espera de um explicação 
de tal embuste . 
Mas isso, é um problema de Fé .

Mas nesse tempo, a escolaridade quase não existia, a taxa de morta-
lidade era enorme, e as pessoas iam à bruxa, em vez do médico, que
rareava, mesmo nas terras mais evoluídas .

Faziam-se filhos de empreitada, às dezenas, mas o aborto era um te-
ma tabú . Faziam-se desmanchos, em condições sanitárias deprimen-
tes, e no silêncio do pecado .

E como era o nosso Exército ?

Mancebos arrebanhados à pressa e à força .

Não sei quando foi criado o Serviço Militar Obrigatório, com carác-
ter universal . 
Foi seguramente uma coisa positiva pois constituía um dos primeiros
sinais de contacto com a civilização, com o primeiro banho, com os
primeiros contactos com a normas sanitárias, com a vacinação genera-
lizada, com a aprendizagem da leitura e da escrita , transformando se-
res primitivos, em gente .

Mas mais importante, ajudou a formar indivíduos egoístas e isolados,
numa força disciplinada, solidária e aberta ao diálogo e à diferença .

Claro que o objectivo principal era treinas as pessoas para obedecerem
dispostas para os sacrifícios, que mais tarde teriam que ser postos à pro-
va .

Não há almoços grátis .

E era ainda, uma pequena retribuição pelos encargos que o País fazia
pelos cidadãos em geral, para remir, de algum modo, serviços prestados
à Comunidade .

Como é diferente a gratidão em Portugal .
.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

RECEITA PARA FAZER UM HERÓI .

Tome-se um homem,
feito de nada, como nós,
e em tamanho natural.

Embeba-lhe a carne, 
lentamente,
duma certeza aguda, irracional,
intensa como o ódio ou como a fome.

Depois , perto do fim,
agite-se um pendão
e toque-se um clarim .

Serve-se morto .

Reinaldo Ferreira
.


quarta-feira, 12 de abril de 2017

A CRISE DOS SATIAGRAIS - 1954 .

Andava eu na brincadeira, junto à Estação de caminho de ferro,
bairro da Covilhã, para onde recentemente me havia mudado,
quando começei a ouvir um tropel mais ou menos organizado,
quando me disseram que eram os nossos soldados que partiam
para a guerra, para ir defender os nossos territórios indianos,
de Goa, Damão e Diu, mais uns pequenos enclaves portugueses, 
mas encarcerados em terra indiana - Dradá e Nagar-Aveli.

Já ouvira falar dessa coisa na escola, mas julgava tratar-se de 
uma daquelas brincadeiras de índios e cowboys,  a que eu joga-
va em 
puto . 

Mas era verdade, até vinha a comandar o Capitão Lino, meu vi-
zinho no bairro .
Via o senhor partir todos os dias para o trabalho, mas nunca me 
tinha passado pela cabeça que o senhor era da tropa .

Apanharam o combóio, e seguiram para um destes ajuntamentos 
de mais soldados, para depois apanharem o vapor, ruma a Goa, um
dos últimos entrepostos que Nehru ainda tinha deixado a Portugal .

As nossas relações, boas e amigáveis, durante séculos, tinha come-
çado a azedar com a independência da União Indiana, dado o orgu-
lho ferido de Nehru, um dos chefes mais conceituados do Movimen-
to dos Países não alinhados .

Conta-se até um episódio trágico-cómico, passado com o actor Iger-
jas Caeiro, que fazia na rádio, um célebre programa de variedades
chamado "O Passeio das Seis e Meia " .
Participavam os actores Igrejas Caeiro, Elvira Velez-, o Zèquinha e
a Lelé, e Elvira Velez,  que fazia de sogra, aquela santa .
Incluía um concurso de perguntas, e sem se saber como e porquê,
ao concorrente foi perguntado qual o maior estadista mundial .

O entrevistado respondeu :
Salazar .

A pergunta era Nehru .

Grande bronca no programa, que acabou logo ali .
Foi retirado imediatamente da grelha da então Emissora Nacional,
e os três artistas, figuras cimeiras do Teatro Nacional, foram banidas
para sempre, impedidas de actuar em Portugal .

Ainda hoje me pergunto, qual a razão mais profunda, de uma atitude
tão quixotesca e despropositada, ainda por cima num momento tão di-
fícil que viria a chocar grande parte dos portugueses .


terça-feira, 11 de abril de 2017

A NOSSA GUERRA DELES .

Partiam de madrugada, ainda noite cerrada, a caminho não se sabe 
de quê e para quê, orientados apenas pelo instinto .
Alguns, talvez não regressassem .
No início, não havia qualquer serviço de informações, por mais ru-
dimentar que fosse, não existiam mapas de cobertura do território,
nem fotomapas, nem apoio aéreo, nem pelotão de reconhecimento
Os PelRec, cujos os soldados seriam sempre os primeiros a abater .

O os colonos, onde andavam .

Muitas vezes, andavam aos círculos, perdendo-se nas falsas referên-
cias, nas pistas falsas, outra vezes eram travados por uma ratoeira 
aberta na picada, por uma árvore derrubada, por uma morteirada
atirada ao acaso para cima da patrulha .

Tudo servia para imobilizar o dispositivo, para confundir e baralhar
os incautos soldados, apanhados num turbilhão mortífero .

E onde estavam os africanistas .

A gente leal a Salazar .

Era muito difícil fazer uma guerra nestas condições .

A tropa não estava preparada nem física, nem psíquica, nem estraté-
gicamente para combate tão desigual .
Se havia feridos ou mortos, havia o apoio de um enfermeiro ou um ma-
queiro, e tudo parava à espera de apoio vindo de Luanda ou de uma ba-
se logística que dispusesse de helis, para transportar as vítimas para o 
hospital ou para o cemitério .

E tudo recomeçava do ponto zero  .

E os futuros retornados, estavam a comer chá 
e torradas, a caminho das aulas ou dos escritó-
rios .

A guerra não era deles, nem para eles .

Os turras, como eram chamados os guerrilheiros que lutavam pela inde-
pendência da sua terra, estavam mais bem armados e equipados que os
nossos zonzos militares, militares à força .

Os nossos era um exército de sombras, de fantasmas, gente que não fazia
a mínima ideia do que se estava a passar .

Os angolanos de raça,

Como não tinham os seus parentes e amigos envolvidos nesta matança, 
nem sequer se dignavam socorrer os feridos, nem enterrar os mortos  de 
uma guerra, a que de facto pareciam completamente   alheios .
.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

A natureza da guerra .

Os primeiros soldados a ir para a guerra colonial ainda iam
de capacete metálico, bota cardada e agarrados às obsoletas
mausers, resquícios da Iª. Guerra Mundial, onde tínhamos 
combatido há mais de meio século .

Era uma guerra feita com a tropa enterrada no chão, pesada,
molhada, escondida nos buracos e nas trincheiras, com a chu-
va a cobrir aqueles milhões de desgraçados, à fome e ao frio e 
ao alcance de um qualquer tiro perdido, estropiados, gaseados,
em mais uma guerra sem sentido . 

Os nossos generais levaram décadas a entender que esse tipo de
guerra já não se usava, tinham saudades da guerra de posições,
uma guerra de defensiva, gerida por tiros de artilharia pesada,
feita por pequenos avanços e recuos no terreno, uma guerra fixa,
feita para fazer rarear a carne para canhão .

Nada entenderam da guerra blitz, que os nazis levaram a cabo 
em todo o Continente europeu e pelo mundo inteiro, usando a 
rapidez de deslocação, num movimento rápido entontecedor, não
deixando oferecer qualquer defesa ou capacidade de resposta, tal
como viria a acontecera com a França, nas guerras da Indochina .

Os nossos soldados, nada aprenderam com os ousados generais 
de opereta, nem ao menos um pouco de história e de geografia .

Chegado a África, moviam-se como baratas tontas, espezinhados 
como formigas, sem qualquer objectivo, e sem qualquer rumo .

Foram trágicos, os primeiros tempos dessa guerra maluca .
.




.

domingo, 9 de abril de 2017

LE DESERTEUR (Boris Vian )

Monsieur le Président
Je vous fait une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez du temps

Je viens de recevoir
Mas papiers militaitres
Pour partir pour la guerre
Avant mecredi soir

Monsieur le Président
Je ne veux la faire
Je ne suis pas sur terre
pour tuer des pauvres gens

C/est par pour vous facher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m/en vais deserter 


Depuis que je suis né
J/ai vu mourir mon père
J/ai vu partir mom frère
Et pleurer mes enfants

Ma mère a tant souffert
Elle est dans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers

Quand j/etais prisioner
On m/a volé ma femme
On m/a volé mon âme
Et tout mon cher passé

Demain de bon matin
Je fermerai ma port
Au nez des années mortes
J/irai sur les chemins

Je mendirait ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirais aux gens

Refusez d/obeir
Refusez de la faire
N/allez pas a la guerre
Refusez  de partir

S/il faut donner son sang
Aller donner le vôtre
Vous être bon apôtre
Monsieur le Président

Si vous mi porsuivez
Prévenez vos gendarmes
Aue je n/aurrai pas d/armes
Et q/ils purront tirez 
.




sábado, 8 de abril de 2017

O MELTING POINT .

Que força é essa, que força é essa
Que trazes contigo
Que te põe de bem com os outros
E de mal contigo

Sérgio Godinho


Como é que um País tão pequeno e com tão pouca gente,
e por mais de uma vez na sua História, cometer actos de 
tanta bravura e de tanta grandeza, muito acima das suas
possibilidades .

Que gente é esta, forjada no calor da luta e da sobrevivên-
cia, de que resultou uma raça estranha cheia de qualidades,
mas também com muitos defeitos .

Um autêntico Melting Point .

Uma selecção nacional, forjada ao longo de muitos séculos .

E mais do que isso,
espalhada pelos quatro cantos do Mundo .
disseminando os genes aperfeiçoados, no contacto com outras
terras e outras terras .

Um enorme milagre .

Desgraçadamente, não herdámos o gene que nos faz trabalhar 
e enriquecer na nossa própria terra .

Uma pequena mutação, faz com que estejamos habituados a jo-
eirar em terras estranhas, tendo à frente um capataz  .

Que diabo, também ninguém é perfeito ...
.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O IMPÉRIO COLONIAL .

AS TEIAS QUE O IMPÉRIO TECE .

Voltas que o mundo dá .

Não deixa de ser curioso, que foi a gente da Iª. República, quem
acorreu à defesa do então Império Colonial Português, em Áfri-
ca e nas terras ensanguentadas da Flandres .

Cerca de cem mil soldados partiram para longe da Pátria, para 
evitar a perda dos territórios portugueses, aqém e além mar .

É uma epopeia trágica da nossa História silenciada, ontem, como
ainda hoje, como se nada se tivesse passado, no início do Sec. XX .

Incorporados à pressa, embarcados às escondidas, levados para o
pior cenário de guerra, nas trincheiras da Flandres, integrados no
sector inglês da Frente, traídos na Batalha de La Liz , esquarteja-
dos e gaseados, abandonadas à sua sorte, vieram a regressar aos pe-
daços, apesar de terem ajudado os aliados a derrotar os exércitos 
teutónicos . 

Mas a luta em defesa do Império, travou-se também em àfrica, tra-
vando a gula e a cobiça dos germânicos nas fronteiras com o Sudo-
este Africano, onde anteriormente tinha tido lugar um ensaio de Ho-
locausto contra os povos da actual Namíbia, 
bem com  na  defesa da manutançãodas nossas possessões em Mo-
çambique, de modo a manter os ingleses, bem longe das fronteiras 
portuguesas .

Começa hoje a levantar-se o véu sobre uma época da nossa História,
que a maior parte da população desconhece, e de que outra parte tem 
vergonha .
.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

NO REGRESSO VINHAM TODOS .

O NOSSO CAMARADA VASCO .

Colega e amigo no Liceu de Castelo Branco,
quem havia de dizer que o pacholento Vasco, viria a ser
um herói de Abril, membro destacado do MFA .

Viria a voltar a conviver com ele, juntamente com outros ami-
gos albicastrenses, na Pastelaria Mexicana .

" No regresso, vinham todos"

é um pequeno livro, contado na 1ª. pessoa, que evoca as aven~
turas da guerra de África .

Preparar pobres mancebos, em meia dúzia de semanas, 
era uma tarefa quase impossível .

O inimigo era calejado e astuto . Conhecia o terreno, os usos e
costumes da região, a fauna e a flora, os cheiros e os ruídos da
selva .

Os recrutas eram embarcados à pressa, enviados de barco para
Luanda, aguardavam o baptismo de guerra, no Norte de Angola .

Eram os 

maçaricos,

nada percebiam do que se passava em seu redor .

Nas primeiras patrulhas em que participavam, havia sempre bai-
xas do nosso lado .

Levavam meses a aprender a brincarao jogo 
da morte .

Muitos caíam na picada, ceifados pelas minas anti-pessoal .
O comandante de pelotão, por norma um jovem oficial miliciano,
cedo aprendeu a usar um uniforme descaracterizado, passando a 
ficar disseminado no meio do grupo, eviatndo, desse modo, ser o al-
vo preferencial dos guerrilheiros .

Quando o chefe era abatido, estabelecia-se o caos entre a tropa .

Aprendeu-se a evitar o meio do caminho e a pisar o terreno, com
todo o cuidado, nas bermas do atalho .

A ver, sem ser visto,
a ouvir, sem ser ouvido .

A evitarem a deslocar-se em molhada, mas mantendo uma distân-
cia de segurança entre todos .

É claro que estas regras não evitavam os ataques aleatórios .

Aleatórios eram também os lugares que os soldados tinham na 
bicha de pirilau 

uns um sorteados ao acaso, outros ocupados por voluntários,
que seleccionavam o seu lugar na sorte, naquele dia, naquela ma-
rcha .

Só que, por vezes, a sorte era-lhe muito 
tragicamente madrasta . 
.


terça-feira, 4 de abril de 2017

O MOVIMENTO NACIONAL FEMININO .

Era uma mistura de dança do ventre, com uma simulação
do  acto sexual .
Exercício desenvolvido pela chefe do MN Feminino, que 
dava pelo nome de Cecília Supico Pinto, 
Cilinha para os mais chegados .

Contava-se que, nos seus tempos áureos, essa senhora era
capaz de conviver com um pelotão inteiro .

O movimento era constituído por um grupo de respeitáveis
senhoras, provenientes da melhor sociedade portuguesa, pos-
tas ao serviço da Pátria .

Iam amiúde visitar os mocetões que estavam internados nos 
hospitais militares, proporcionavam-lhes carinho e conforto,
levavam-lhe maços de tabaco, aerogramas e qualquer coisita
para roer . 
Mas o mais importante de tudo, era o calor humano, tão neces-
sário em momentos tão difíceis, e distribuído com grande espí-
rito de missão .
.

ADEUS, até ao meu regresso .

 Sou da 1ª. incorporação de 1968 .

Vivi  um bocado a guerra, por dentro por fora, embora nunca 
tenha sido sido um combatente . Mas a guerra não é só andar 
aos tiros, matar e morrer . É também a angústia da espera, o
pavor da incerteza, a dúvida de quem será o primeiro a cair 
ou a safar-se, e se ainda continuamos vivos .

Longe de tudo e de todos, sem os meios tecnológicos de infor-
mação, era sobretudo o primado da ausência, o sentimento de
de morrer um bocadinho todos os dias .

Pelo Natal, juntavam-se magotes de mancebos, á espera de man-
dar uma mensagem para os seus familiares e amigos :

Adeus, até ao meu regresso .

Tudo muito à pressa, para caberem mais no boneco .
E lá  iam desfilando os rostos cansados, com olheiras, que vigi-
lância era apertada, a noite era longa e mal dormida, sempre à 
espera de uma morteirada .

Sorrisos amarelos, de quem ri, com vontade de chorar .

Adeus, até ao meu regresso .

Como paliativos,
existiam os aerogramas, telegramas enviadas por avião, 

e o truque das madrinha de guerra, que prometiam juras de amo-
res impossíveis, com o retrato pendurado no fundo do cacifo, ou 
na parede nua do aquartelamento .

Quantos sonhos inventados pela imaginação dos soldados carentes 
de afecto, que eram a única companhia de tantas almas solitárias .

Em que a amante era a G3 que nunca os abandonava, nos bons e
nos maus momentos .

Adeus, até ao meu regresso .

:



segunda-feira, 3 de abril de 2017

O ISOLAMENTO DE PORTUGAL .

Deus, Pátria, Família .

De modo nenhum, Portugal estava minimamente 
preparado para aventuras guerreiras . Sofria ameaças 
veladas de todos os azimutes .

Orgulhosamente sós,

era o lema patrioteiro do infame ditador .

De  Atlântico, aos Urais,

era outra patranha do velho .

Era o tempo da eclosão das guerras de libertação nacional,
na sequência do final da IIª. Guerra Mundial, em que muitos 
povos se dispuseram a lutar ao lado das potências democrá-
ticas, contra o Nazismo, guerra que se estendeu a todos os 
continentes, e a quase todos os países do mundo .

Era ainda o reconhecimento a esses povos, e uma maneira de 
os manter em paz o redil ocidental .

Houve muita gente que não quis integrar o papel das democracias,
por idiotice, por falta de visão, e pelo desejo de manter privilégios
que já não se coadunavam com os novos ventos da História .

Foi também um lampejo do tempo do Conde de Lampedusa, que 
alterou o curso do mundo :

Temos que mudar alguma coisa,
se queremos que tudo fique na mesma . 

Assim pensava o nhurro de Santa Comba .

A criação da Commonwealth, inventada pelos britânicos, foi uma paró-
dia do mesmo calibre, mas em bom, uma misturada de paises, com o in-
glês como língua comum, mas com a Rainha de Inglaterra a ser soberan
de meio mundo .

Era a repetição do antigo sonho da Raínha Vitória, mas agora com a su-
blime astúcia de casar e descasar, a seu belo prazer, os valetes e as damas
do ramo da família dos Windsor .

Um regabofe . 

Como resposta a esta marmelada,

foi criada na 

Conferência de Bandung,

O conceito de 3º Mundo,

clube que incluía  o Egipto de Nasser, Tito da Jugoslávia, a Índia de Nerhu, 
a Indonésia, e que viria a incluir quase uma centena de países .

Portugal continuava 
orgulhosamente só .
.



NEM BOM VENTO, NEM BOM CASAMENTO .

Um País em fuga .

Não me lembro já muito bem se foi a guerra que começou 
primeiro, se foi ela que precipitou a fuga em massa para
França e Aragança . 
Os dois fenómenos decorriam de par em par .

Portugal, país pobre e atrasado, em todos os aspectos, vivia
encarcerado entre o mar e a raia espanhola .

Os pobres mancebos, muitos dos quais nunca tinham lobri-
gado o mar, viviam no campo, numa agricultura de subsistên-
cia, aproveitando a terra pobre herdada pelos ancestrais ,
trabalhado de sol a sol, para prover ao sustento das das gen-
tes .
.

Salazar tinha instituído o prémio para a família mais numerosa
de Portugal . Sempre eram mais bocas para atacar a terra com
sacho e ancinho .

Talvez que tenha sido a fome, o rastilho para desencadear a fu-
ga desenfreada e à pressa, de muitos milhares de almas, grande
parte a salto de lapin, correndo enormes riscos e esgotando os
fracos proventos amealhados para uma viagem sem retorno à 
vista .

A guerra colonial viria acelerar o processo de abandono do país,
cada vez aceleradamente, à medida que os combates se estendiam
pelo capim e pela selva africana .

Saíam barcos carregados de homens, a caminho de Angola, Mo
çambique e Guiné Bissau .

Muitos não sabiam ler, nem escrever, e não entendiam por que
razão os arrancavam da terra natal, para ser obrigados a comba-
ter numa numa guerra, que nem sequer sabia com quem e por-
que lutavam .

Foi talvez a maior sangria levada a cabo pelos mordomos de Sa-
lazar e seus esbirros .

Iríamos atravessar décadas de fome, de miséria e morte, que nun-
ca mais poderíamos colmatar .

domingo, 2 de abril de 2017

AS ACÁCIAS E OS EMBONDEIROS .

O AROMA DO CAFÉ .

A primeira fase da guerra,
foi o levantamento dos cadáveres dos colonos e de suas famílias .

Para Angola já, e em força .

Depois a defesa das grandes fazendas do Norte, a criação de 
fortificações .
Só mais tarde se começou a organizar a defesa em profundi-
dade, criando aquartelamentos e fornecedo apoio aéreo .

Onde paravam então os grandes fazendeiros, os grandes capi-
talistas, os donos disto e daquilo tudo,  os capitães do café, dos
diamantes, do amendoím, da soja e do sisal .

A guerra foi-se instalando por toda a parte .

Onde andavam nessa altura os valentes colonos, 

tratavam da sua vidinha, dos seus negócios, tudo corria bem pa-
ra os habitantes das terras maiores .

Como era bom viver naqueles espaços a perder de vista, curtindo
os famosos safaris, indo às compras na África do Sul, o paraíso
sonhado pelas classes médias, ou ainda gozando as merecidas féri-
as pagas,  na longínqua metrópole .

A guerra era lá bem longe, na mata, no capim, nas picadas arma-
dilhadas, no matraquear das armas automáticas, no rebentar dos
morteiros, no explodir das minas assassinas .

Depois no silêncio imenso da espera, nos sons invisíveis e desconhe-
cidos da selva, nas noites de insónia em alerta mortal .

Angola é nossa, Angola é nossa .

Passou mais de um milhão de soldadinhos e chumbo por essas guer-
ras idiotas, devido à cupidez e à ganância, 

à ordem de um velho ranhoso e medricas, que nunca teve tomates 
para visitar as colónias portuguesa, pois tinha horror de viajar de
avião .

Onde estiveram, durante esses anos perdidos, atarefados na sua vida
pequenina e mesquinha, esses heróis africanos, combatentes de língua, 
que depois fugiram com o rabinho entre as pernas, quando a borrasca
lhes bateu à porta .
.

sábado, 1 de abril de 2017

O CERCO .

A doença silenciosa .

O cerco vai-se apertando à minha volta .
Vai-se insinuando lenta mas progressivamente, apanha os
pacientes sorrateiramente, insinua-se como se de nada se
tratasse .
Aos primeiros sinais, a princípio a gente faz de conta que 
só apanha os outros, como se isso não fosse nada com a 
gente . 
Julgamos que as coisas são fáceis de controlar .

Custa admitir uma verdade, mesmo que ela se meta pelos ol-
hos dentro . O maior cego é aquele que não quer ver .
Pelo caminho vamos lidando com meias palavras, falsas pro-
messas, paninhos quentes, uma miríade de argumentos que nos
vão alertando . Pomos água na fervura . Navegamos em águas 
turvas . 
Encaramos a doença com alguma altivez .

Vem isto a propósito da minha luta contra 
 os Diabetes,

uma luta complicada, sem inimigo à vista, e travada à traição .

Já há bastante tempo me diziam que era pré diabético, como se 
isso não fosse já uma declaração de guerra, o início de uma ba-
talha lenta, mas inexorável . Diziam-me para ter cuidado, para
seguir as regras, evitar o açúcar, a obesidade, fazer muito exer-
cício, beber muitos líquidos, mas eu começava um regime alimen-
tar,  aos poucos, ia baixando as defesas, e logo voltava quase ao 
de partida . Acabava muitas vezes por pisar os limites .

E depois voltava sempre ao princípio, ou quase sempre mais atrás .

É aí que tem que prevalecer a disciplina 
e a força de vontade .

E depois aparecem os falsos profetas, dando conselhos de truques 
de novas dietas, quantas vezes ao arrepio do caminho adequado .

Tantas vezes que me davam receitas, mèzinhas salvadoras, chás 
milagrosos ou um novo exercício físico .

E eu, na fé dos ignorantes, andava sempre a experimentar novos
esquemas, mas continuava a viver confuso e baralhado .

Até que resolvi encarar a doença mais a peito, 
e assumir, de uma vez por todas,

que sou diabético,

disposto a arcar com todas as responsabilidades que tal facto 
implica .

Para aviso a todos os diabéticos .