Encomendo a comida, sem convicção .
Olho em frente para o teu lugar vazio,
e parece-me ver o teu rosto,
ouvir a tua voz, sentir a tua gargalhada,
o teu riso trocista .
É apenas um instante .
Depois tudo se esfuma .
Levo o garfo à boca,
toco na comida, sem grande convicção,
sem qualquer apetite .
Por vezes fecho os olhos,
para tentar agarrar-te .
E lá vai mais mais uma garfada .
Hoje em dia almoço sozinho,
só, com o meu silêncio e com a natureza . .
Vou remoendo a comida e a vida .
.
Ataco o melão .
Abuso dos açúcares,
mas que hei-de fazer .
Acontece com as velhas tias
que se lambuzam com doces e bolos,
terna vingança de pessoas doentes
e maltratadas pela vida .
Vou tragando devagar a cerveja
faço um compasso para a comida
e para os meus pensamentos
Depois levanto voo
e plano por aí .
Perco a noção do tempo,
parece que já há muito que estou a comer .
Perco a noção do espaço,
sinto-me longe, muito longe .
Mais uma garfada de arrôz,
e eu acabo por me perder
nos pensamentos
com que vou temperando a comida .
Finalmente a bica .
A via continua a escorrer lentamente .
Pareço agora ouvir a conversa dos outros,
palavras que nada me dizem,
apenas pontuam o meu quotidiano .
.