terça-feira, 18 de outubro de 2016

VIDA DE CIGANO .

Nasci ao Deus dará,
percorri as sete partidas do mundo,
na barca dos sete lemes,
no tempo em que os animais ainda falavam .

Aprendi a vida com Redol, com Soeiro, com Ferreira
de Castro e Fernando Namora, com quem fazia conhe-
cimento, quando a carrinha da biblioteca itinerante se
dignava a subir à Serra .

Joguei à bola com os maiores, Rosa, Julinho, Chico 
Ferreira, Félix, e tantos outros, que eu descobria na
colecção de cromos, que comprava na tasca da minha 
aldeia, e depois estampava nas caricas, onde se reali-
zava o nosso campeonato de putos .

A minha paleta eram todas as côres do mundo imagi-
nário, onde eu sempre morava .
Por isso faço desenhos, aos milhares só com um tema-
- A Serra da Estrela .

A minha ferramenta de trabalho era uma faca de sa-
pateiro, clandestina, porque era perigosa, com que cor-
tava a madeira, a casca das árvores, a cortiça, e até os 
meus dedos . Com ela, eu fazia aparecer carros, barcos,
aviões, tudo o que queria .

Mais tarde comecei por desenhar os grandes da nossa 
História, que vinham nos livros da escola, e pintava nos
cartões das caixinhas que me davam .

Depois, comecei a saltar de terra em terra, de escola
em escola, privei com dezenas de professores, de que 
rapidamente esquecia os nomes, conheci muita gente, 
sem quase sempre sem ter tempo de fazer amigos .

Habitue-me a aperfeiçoar a técnica de desaparafusar  
e reconstruir as camas onde todos nós dormíamos .

O desenho e a pintura hibernaram durante décadas .

Só regressei na esse trabalho, quando de novo passei 
a ser menino .

Por sorte, o bichinho ainda estava cá dentro .
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