Por vezes, o silêncio é tão ensurdecedor que até dói, e só o
ruído o pode sarar .
Cheguei a estar ao pé de dezenas de teares, com as lançadeiras
a chocar com toda a violência nos batentes, de um lado para o
outro, e conseguíamos ouvir conversar entre nós, como se esti-
véssemos a contar segredos .
Não fiquei um pouco surto, por passava pouco tempo na fábrica .
Noutras ocasiões, recordo-me das muitas noites que passei pelos
hospitais, noites enormes, sofridas, cheias de insónias, em que me
doía até o tilintar de uma colher ou o arrastar dos pés, perturban-
do o descanso a que tinha direito .
Se a esse silêncio se juntasse a escuridão da noite, consegue com-
preender-se o horror da estadia prolongada numa enfermaria de
hospital .
É uma libertação, quando a luz do dia vem devagar penetrar na
jane-la do quarto,e se começa a ouvir o barulho das conversas
apressadas e o ronco do aspirador, marrando ao acaso nas pare-
des do quarto .
Só então engatamos no sono profundo,
mas logo depois começa a distribuição dos comprimidos e começa
a sentir-se o cheiro da manteiga e do pão torrado .
Escapámos mais uma noite ao horror do silêncio .
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