Comecei muito cedo a interessar-me pele política,
ou melhor comecei a ter contacto com a injustiça,
a prepotência e a arbitrariedade .
Muito cedo já tinha percebido provado o sabor da
injustiça e do desamor .
Bem podia o padre da igreja tentar vender aquelas
ideias idiotas que nos tentavam inculcar como va-
cinas, que se practicássemos o bem, íamos direiti-
nhos para o Céu .
Tudo mentira, da grossa ...
Era apelidado de herege, judeu, madrasso, filho do
diabo, tudo nomes que me assentavam que nem uma
luva .
Foi então que comecei a canalizar a minha raiva e a
minha revolta, dar um significado à minha rebeldia,
e começar a estruturar a minha personalidade .
Foi com a minha ida para a Escola da Noite, em con-
tacto com os meus colegas mais velho, e provindos de
outras classes sociais, mais proletarizadas, que fui com-
preedendo a dureza das desigualdades e das afrontas
contra os mais desfavorecidos .
Como entender tais maldades, um menino a começar
a fazer-se homem, que estava habituado às lutas entre
índios e cowboys, entre polícias e ladrões, que faziam
o dia a dia, das nossas brincadeiras .
Comecei a sorver os ideais revolucionários, com a cam-
panha eleitoral do General Humberto Delgado, nos idos
de 1958, quando me apercebi do imenso apoio popular
que o General ia amealhando, fazendo sombra ao velho
Ditador Salazar .
Já então tinha tido contacto com as ideias comunistas, e
com os comunistas reais, que giravam à minha volta, na
Escola, nas fábricas e na vida real .
O Tortosendo, aldeia fabril paredes meias com a Covilhã,
era uma terra de operários da indústria têxtil, de gente
do Reviralho, oposicionistas convictos, muitos deles afec-
tos ao Partido Comunista, contra a religião e contra o sa-
lazarismo .
Era conhecida como a aldeia vermelha .
Convivi de perto com a gente das fábricas, mas por falta de
convicção (ou por cobardia), nunca fui engajado para o
PC, prezava demais a minha capacidade de crítica e o meu
posicionamento individual .
Fui sempre um fiel compagnon de route .
.
Foi então que ingressei na Universidade, IST, colheita de
1960 . Estive 10 anos no Lar do Técnico, uma escola de vir-
tudes, entre o Curso de Engenharia e a Tropa.
As Associações de Estudantes eram Universidades parale-
las, que nos ajudavam a abrir os olhos para a vida .
Militei nelas em diversas actividades, mas sempre com o cui-
dado de evitar a militância política .
Encostei-me ao MDP/CDE,
uma bengala do PCP .
Foi no Movimento Estudantil, onde vivi com paixão, muitos
dos melhores momentos da minha vida .
Era decididamente o olho do furacão, onde tudo acontecia .
Quando o meu Pai me levou para arranjar um quarto para
viver, quis o destino que me tivesse depositado directamente
no Lar da AEIST . Chegava a passar quase 24 horas no IST,
onde estudava, comia e dormia .Só saía do recinto, para me
deslocar da casa, para o estudo .
Voltei a direccionar a minha revolta, agora contra o Regime
Fascista, agora com a cabeça um pouco mais arrumada .
Era um aluno médio, sem grandes rasgos de inteligência .
Cumpria os serviços Mínimos .
O meu combate pela Liberdade nunca esmoreceu .
Aguardava que chegasse o tempo certo, para que se tornas-
se realidade .
E ele chegou com o 25 de Abril .
.
.
domingo, 31 de dezembro de 2017
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Os calções .
Eu fui de Lisboa a Sintra,,
a casa da Tia Jacinta
para me fazer uns calções;
mas a pobre criatura
esqueceu-se da abertura,
para as minhas precisões .
.
Desde miúdo, que carrego comigo uma dúvida sistemática,
será que as pessoas crescem para cima ou para baixo .
Se crescem para cima, porquê então, ao aumentar a idade,
todos os anos ficava com mais pernas à mostra ?!.
Portanto, só podia crescer para cima .
Tenho outro problema antigo, de solução mais fácil, ainda
que de resolução mais elaborada .
Lá em casa somos 5 irmãos, quatro deles nascidos em esca-
dinha, com intervalos de 1 ano a ano e meio .
Todos os anos, por volta do começo das aulas, a roupa sofria
um pequeno improvement - era a altura de acertar e mudar
os calções . A roupa passava de uns para os outros, o mais
velho tinha direito a uns calções novos, e todos recebiam, à
vez os dos outros mais novos .
E assim, sucessivamente .
O irmão mais novo, ao fim das 3 mudanças, tinha que levar
fundilhos no cú .
No poupar, é que estava o ganho .
Já naquele tempo se tirava proveito da arte da reciclagem,
invocando a lei dos 3 RR.s :
- Recuperar
- Remendar
- Reutilizar .
.
Um outro estratagema, era preservar os livros de estudo,
de mão em mão, chegando cada um dos mais utilizados, por
exemplo, os livros de Filosofia e Matemática, a percorrer as
aulas, dez ou doze anos .
No fim, por mais dedicação que houvesse, os papéis iam di-
rectamente para o lixo .
.
a casa da Tia Jacinta
para me fazer uns calções;
mas a pobre criatura
esqueceu-se da abertura,
para as minhas precisões .
.
Desde miúdo, que carrego comigo uma dúvida sistemática,
será que as pessoas crescem para cima ou para baixo .
Se crescem para cima, porquê então, ao aumentar a idade,
todos os anos ficava com mais pernas à mostra ?!.
Portanto, só podia crescer para cima .
Tenho outro problema antigo, de solução mais fácil, ainda
que de resolução mais elaborada .
Lá em casa somos 5 irmãos, quatro deles nascidos em esca-
dinha, com intervalos de 1 ano a ano e meio .
Todos os anos, por volta do começo das aulas, a roupa sofria
um pequeno improvement - era a altura de acertar e mudar
os calções . A roupa passava de uns para os outros, o mais
velho tinha direito a uns calções novos, e todos recebiam, à
vez os dos outros mais novos .
E assim, sucessivamente .
O irmão mais novo, ao fim das 3 mudanças, tinha que levar
fundilhos no cú .
No poupar, é que estava o ganho .
Já naquele tempo se tirava proveito da arte da reciclagem,
invocando a lei dos 3 RR.s :
- Recuperar
- Remendar
- Reutilizar .
.
Um outro estratagema, era preservar os livros de estudo,
de mão em mão, chegando cada um dos mais utilizados, por
exemplo, os livros de Filosofia e Matemática, a percorrer as
aulas, dez ou doze anos .
No fim, por mais dedicação que houvesse, os papéis iam di-
rectamente para o lixo .
.
segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
O futuro é das crianças .
O jogo do ganha e perde .
Já não me lembro muito bem da mecânica do jogo,
nem das razões por que desejávamos perder e qual
o incentivo que nos levava à derrota .
Havia outra versão do jogo que consistia em querer
sempre ganhar, qualquer que fossem as incidências
do jogo . A luta era feroz, quase sempre acabava em
porrada, mas ao menos, quem levasse no focinho aca-
bava por ganhar moralmente, mesmo com a tromba
escaqueirada .
Ainda noutra variante do jogo, acabávam todos a per-
der, mesmo ganhando .
Era aí que entrava o dono da bola, agarrava nela e le-
vava-a para casa e dizia :
Acaba o jogo e ninguém joga mais,
que eu é que sou o dono da bola ...
Parecem jogos de crianças,
mas então observem os jogadores mais velhos, os
putos crescidos:
O Cavaco e o Passos, ganharam as eleições, mas per-
deram o Governo;
O Costa perdeu as eleições, mas ficou a governar ;
Os independentistas da Catalunha já ganharam, pe-
lo menos três vezes as eleições, e o batoteiro do Ra-
goy e da sua quadrilha, nunca deixam jogar .
Dizem que a bola é deles e não deixam ninguém jo-
gar ...
Além disso, estão sempre a aldrabar as regras do
jogo .
Devia haver alguém que lhe partissse as cangalhas...
e pusesse o menino no castigo ...
.
Já não me lembro muito bem da mecânica do jogo,
nem das razões por que desejávamos perder e qual
o incentivo que nos levava à derrota .
Havia outra versão do jogo que consistia em querer
sempre ganhar, qualquer que fossem as incidências
do jogo . A luta era feroz, quase sempre acabava em
porrada, mas ao menos, quem levasse no focinho aca-
bava por ganhar moralmente, mesmo com a tromba
escaqueirada .
Ainda noutra variante do jogo, acabávam todos a per-
der, mesmo ganhando .
Era aí que entrava o dono da bola, agarrava nela e le-
vava-a para casa e dizia :
Acaba o jogo e ninguém joga mais,
que eu é que sou o dono da bola ...
Parecem jogos de crianças,
mas então observem os jogadores mais velhos, os
putos crescidos:
O Cavaco e o Passos, ganharam as eleições, mas per-
deram o Governo;
O Costa perdeu as eleições, mas ficou a governar ;
Os independentistas da Catalunha já ganharam, pe-
lo menos três vezes as eleições, e o batoteiro do Ra-
goy e da sua quadrilha, nunca deixam jogar .
Dizem que a bola é deles e não deixam ninguém jo-
gar ...
Além disso, estão sempre a aldrabar as regras do
jogo .
Devia haver alguém que lhe partissse as cangalhas...
e pusesse o menino no castigo ...
.
sábado, 23 de dezembro de 2017
A minha gata Branquinha .
A Branquinha foi a coisa melhor que me aconteceu
nos últimos tempos .
Quando veio para nossa casa era um pequeno novelo
de lã, pouco maior do que a minha mão, branca e le-
ve como a neve .
É uma gata Red Point .
Toda branca, só por volta do ano de idade começou
a ganhar alguma coloração acastanhada nas suas ex-
tremidades .
Muito rebelde de início, esperta brincalhona, faz-nos
companhia o dia inteiro .
Foi apanhada por amigos nossos, caçada por ser a ma-
is afoita da ninhada .
Está sempre à nossa espera, pressente a nossa chegada,
mesmo que esteja ferrada a dormir .
Corre, pula, salta, brinca com tudo o que tiver à mão,
joga à bola, come bem e dorme e ainda melhor .
Passa o tempo a fazer-me guarda de honra, anda sem-
pre atrás dos donos, espera que eu me levante para ir
comer, aguarda pela dona à porta da casa de banho,
e depois põe-se em posição de ser devidamente escova-
da para retirar o pelo .
O dia começa muito cedo, mas espera pacientemente
pelo dono, mal pressente que eu estou acordado .
Gosta de ir à rua, que é a primeira metade do patamar
do nosso 4ª. andar, depois vem e retoma o resto da co-
mida . Refila se é agarrada, mas depois sabe-lhe bem
estar um pouco ao colo, a ver as janelas .
Já há muito tempo que dorme ao meu colo, como se
fosse uma criança . Antes de dormir, toma um grande ,
banho, acabando por vezes a lamber-me a mim, de ca-
minho .
A gatita é viciada em comida, corre sempre para a co-
zinha, à espera que lhe cai no prato mais um pouco de
bolachas .
Eu procuro ser exigente com o animal, mas a minha uu-
lher atura-lhe o vício .
Sabe-se que as mulheres são um pouco mais permissivas
e o animal vai aumentando de peso .
É preciso fazer dieta .
É muito asseada, nunca sujou nada, só que às vezes, a fa-
zer as suas necessidades, não acerta com o penico .
A fase de arranhar está a diminuir, mas ainda joga as un-
has, por instinto .
Há dias, zangou-se com a veterinária, e foi bom de ver a
luta entre as duas , luta que a gata ganhou aos pontos,
pois acabou por não deixar cortar as garras todas .
.
nos últimos tempos .
Quando veio para nossa casa era um pequeno novelo
de lã, pouco maior do que a minha mão, branca e le-
ve como a neve .
É uma gata Red Point .
Toda branca, só por volta do ano de idade começou
a ganhar alguma coloração acastanhada nas suas ex-
tremidades .
Muito rebelde de início, esperta brincalhona, faz-nos
companhia o dia inteiro .
Foi apanhada por amigos nossos, caçada por ser a ma-
is afoita da ninhada .
Está sempre à nossa espera, pressente a nossa chegada,
mesmo que esteja ferrada a dormir .
Corre, pula, salta, brinca com tudo o que tiver à mão,
joga à bola, come bem e dorme e ainda melhor .
Passa o tempo a fazer-me guarda de honra, anda sem-
pre atrás dos donos, espera que eu me levante para ir
comer, aguarda pela dona à porta da casa de banho,
e depois põe-se em posição de ser devidamente escova-
da para retirar o pelo .
O dia começa muito cedo, mas espera pacientemente
pelo dono, mal pressente que eu estou acordado .
Gosta de ir à rua, que é a primeira metade do patamar
do nosso 4ª. andar, depois vem e retoma o resto da co-
mida . Refila se é agarrada, mas depois sabe-lhe bem
estar um pouco ao colo, a ver as janelas .
Já há muito tempo que dorme ao meu colo, como se
fosse uma criança . Antes de dormir, toma um grande ,
banho, acabando por vezes a lamber-me a mim, de ca-
minho .
A gatita é viciada em comida, corre sempre para a co-
zinha, à espera que lhe cai no prato mais um pouco de
bolachas .
Eu procuro ser exigente com o animal, mas a minha uu-
lher atura-lhe o vício .
Sabe-se que as mulheres são um pouco mais permissivas
e o animal vai aumentando de peso .
É preciso fazer dieta .
É muito asseada, nunca sujou nada, só que às vezes, a fa-
zer as suas necessidades, não acerta com o penico .
A fase de arranhar está a diminuir, mas ainda joga as un-
has, por instinto .
Há dias, zangou-se com a veterinária, e foi bom de ver a
luta entre as duas , luta que a gata ganhou aos pontos,
pois acabou por não deixar cortar as garras todas .
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terça-feira, 19 de dezembro de 2017
DEZEMBRO .
O que mais me prende à vida
Não é o amor de ninguém
É que a morte de esquecida
Deixa o mal e leva o bem
Dezembro é o mês de todas as desgraças,
negro de breu, de luto e de morte .
Tudo se esconde, até o Sol se apaga, por longas jornadas .
Os pássaros calam-se, para não incomodar os que já par-
tiram
A tristeza invade tudo .
Que importa a Festa , os presentes, as guloseimas, as ra-
banadas, a Consoada, as conversas salteadas, o riso conta-
giante, a fome nunca saciada, e às, vezes um grãozito na
asa .
As crianças, é que sonham com o futuro e com a alegria,
a brincadeira e as gargalhadas que nunca param.
É o tempo é delas .
Os adultos, vivem da nostalgia
do passado já distante .
Lembram a saudade dos que já partiram, deixando um
enorme vazio dentro de nós .
Recordam outros Natais, passados à lareira, as crianças
que esvoaçam pela casa adentro, numa correria desenfrea-
da, sem vontade de se recolher ao ninho .
Antigamente, quando era menino, as prendas vinham pe-
la chamiané dentro e caíam dentro de uma meia, só apa-
reciam de manhã cedinho .
Ainda cheguei a crer no Pai Natal, mas por muito poucos
anos, porque ele esquecia-se de mim, e nunca me trazia o
brinquedo com que levava o ano inteiro a cogitar .
Depois, quando acertaram a hora, passou a despachar-se
mais, choviam brinquedos aos montes, era quando eu me
recolhia em silêncio .
Eu estava sempre a querer ir dormir .
A jogatana continuava noite dentro, entre miúdos e graú-
dos, com grande batota à mistura .
No dia seguinte, bem cedo, percorria as ruas, em busca de
uma bica redentora .
.
Não é o amor de ninguém
É que a morte de esquecida
Deixa o mal e leva o bem
Dezembro é o mês de todas as desgraças,
negro de breu, de luto e de morte .
Tudo se esconde, até o Sol se apaga, por longas jornadas .
Os pássaros calam-se, para não incomodar os que já par-
tiram
A tristeza invade tudo .
Que importa a Festa , os presentes, as guloseimas, as ra-
banadas, a Consoada, as conversas salteadas, o riso conta-
giante, a fome nunca saciada, e às, vezes um grãozito na
asa .
As crianças, é que sonham com o futuro e com a alegria,
a brincadeira e as gargalhadas que nunca param.
É o tempo é delas .
Os adultos, vivem da nostalgia
do passado já distante .
Lembram a saudade dos que já partiram, deixando um
enorme vazio dentro de nós .
Recordam outros Natais, passados à lareira, as crianças
que esvoaçam pela casa adentro, numa correria desenfrea-
da, sem vontade de se recolher ao ninho .
Antigamente, quando era menino, as prendas vinham pe-
la chamiané dentro e caíam dentro de uma meia, só apa-
reciam de manhã cedinho .
Ainda cheguei a crer no Pai Natal, mas por muito poucos
anos, porque ele esquecia-se de mim, e nunca me trazia o
brinquedo com que levava o ano inteiro a cogitar .
Depois, quando acertaram a hora, passou a despachar-se
mais, choviam brinquedos aos montes, era quando eu me
recolhia em silêncio .
Eu estava sempre a querer ir dormir .
A jogatana continuava noite dentro, entre miúdos e graú-
dos, com grande batota à mistura .
No dia seguinte, bem cedo, percorria as ruas, em busca de
uma bica redentora .
.
domingo, 17 de dezembro de 2017
A LAREIRA .
Com dois pauzinhos
se faz uma cabana .
Primeiro que tudo é preciso que haja frio .
Vontade de fazer o fogo .
De brincar com o fogo .
Há gente que não está para aí virada .
São uns encalorados .
Com medo de se queimar .
Outros não têm fósforos, não sabem fazer o lume, não
conhecem o prazer que o quentinho dá e nem sequer
arriscam o mínimo .
Mas a necessidade aguça o engenho .
Escolhe-se um sítio recôndito,
bem aconchegadinho, longe dos mirones, e preparam-se
os pauzinhos cuidadosamente, de modo a fazer num pe-
queno monte, junta-se um pouco de papel e trabalha-se
de modo a deixar passar o ar, para permitir uma boa
combustão.
Chegado o momento, quando se está no ponto, saca-se
da caixa de fósforos e fricciona-se com decisão, mas sem
quebrar o pauzindo, pois podem queimar-se os dedos .
Às vezes não acende à primeira .
Tem que tentar-se de novo .
Eis que o fogo espirra
com alguma violência
e está preparada a chama para nos embalar,
e nos saciar os sentidos .
Depois, é a gente deixar-se ficar a curtir a lareira, até nos
consolar-mos à vontade .
Parece difícil,
mas com um pouco de jeito, chegamos lá .
.
se faz uma cabana .
Primeiro que tudo é preciso que haja frio .
Vontade de fazer o fogo .
De brincar com o fogo .
Há gente que não está para aí virada .
São uns encalorados .
Com medo de se queimar .
Outros não têm fósforos, não sabem fazer o lume, não
conhecem o prazer que o quentinho dá e nem sequer
arriscam o mínimo .
Mas a necessidade aguça o engenho .
Escolhe-se um sítio recôndito,
bem aconchegadinho, longe dos mirones, e preparam-se
os pauzinhos cuidadosamente, de modo a fazer num pe-
queno monte, junta-se um pouco de papel e trabalha-se
de modo a deixar passar o ar, para permitir uma boa
combustão.
Chegado o momento, quando se está no ponto, saca-se
da caixa de fósforos e fricciona-se com decisão, mas sem
quebrar o pauzindo, pois podem queimar-se os dedos .
Às vezes não acende à primeira .
Tem que tentar-se de novo .
Eis que o fogo espirra
com alguma violência
e está preparada a chama para nos embalar,
e nos saciar os sentidos .
Depois, é a gente deixar-se ficar a curtir a lareira, até nos
consolar-mos à vontade .
Parece difícil,
mas com um pouco de jeito, chegamos lá .
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sábado, 16 de dezembro de 2017
A Invenção do fogo .
No início da Humanidade, deve ter sido com enorme estupor,
que os homens tomaram conhecimento com o fogo .
Talvez aterrorizados com a grandeza dos vulcões, ou quando
assistiam espavoridos, das floreostas em chamas, as criaturas
tinham que competir com os animais selvagens .
Era um pânico atávico .
As criaturas fugiam em pânico e refugiavam-se nas grutas im-
provisadas .
Ainda hoje os lobos fogem fogo, apesar de a fome que os assaca .
Cobertos com pelos, para atenuar o frio, aninhavam-se em gru-
pos e refugiavam-se em zonas mais temperadas, para consegui-
rem sobreviver .
Só muito mais tarde, os humanos começaram a perceber, que o
fogo que queimava, poderia ser usado em proveito próprio, se
usado com conta, peso e medida, podendo ajudar a amenizar a
rude vida das cavernas .
Foi sem querer, que o homem deve ter assistido ao raio provo-
cado pela fricção de duas pedras, e conseguiu acender uma pe-
quena fogueira .
Porventura, seria a mais espantosa invenção humana .
A descoberta do fogo .
Aprendeu também, que o fogo era importante demais, para que
se pudesse brincar inavertidamente com essa poderosa força, que
impulsionou a nossa existência .
Ainda hoje, se usa a expressão :
Andas a brincar com o fogo,
ainda te queimas .
Claro que a expressão tem outro significado mais escondido .
Brincar com o fogo é arriscar, é ir mais além, é tentar descobrir
novas possibilidades, para as coisas, e para as pessoas .
Quem não arrisca,
não petisca .
Ainda a descoberta do fogo .
Descoberta do fogo, que nada .
O fogo já lá estava, há milhões de anos .
Passou a existir quando demos por ele .
.
É como acender uma lareira .
Não se pode avançar à bruta .
Temos que ir tentando cuidadosamente, e encontrar os gestos com
todo o cuidado .
Mas primeiro que tudo, existe a vontade expressa de preparar o fogo .
.
que os homens tomaram conhecimento com o fogo .
Talvez aterrorizados com a grandeza dos vulcões, ou quando
assistiam espavoridos, das floreostas em chamas, as criaturas
tinham que competir com os animais selvagens .
Era um pânico atávico .
As criaturas fugiam em pânico e refugiavam-se nas grutas im-
provisadas .
Ainda hoje os lobos fogem fogo, apesar de a fome que os assaca .
pos e refugiavam-se em zonas mais temperadas, para consegui-
rem sobreviver .
Só muito mais tarde, os humanos começaram a perceber, que o
fogo que queimava, poderia ser usado em proveito próprio, se
usado com conta, peso e medida, podendo ajudar a amenizar a
rude vida das cavernas .
Foi sem querer, que o homem deve ter assistido ao raio provo-
cado pela fricção de duas pedras, e conseguiu acender uma pe-
quena fogueira .
Porventura, seria a mais espantosa invenção humana .
A descoberta do fogo .
Aprendeu também, que o fogo era importante demais, para que
se pudesse brincar inavertidamente com essa poderosa força, que
impulsionou a nossa existência .
Ainda hoje, se usa a expressão :
Andas a brincar com o fogo,
ainda te queimas .
Claro que a expressão tem outro significado mais escondido .
Brincar com o fogo é arriscar, é ir mais além, é tentar descobrir
novas possibilidades, para as coisas, e para as pessoas .
Quem não arrisca,
não petisca .
Ainda a descoberta do fogo .
Descoberta do fogo, que nada .
O fogo já lá estava, há milhões de anos .
Passou a existir quando demos por ele .
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É como acender uma lareira .
Não se pode avançar à bruta .
Temos que ir tentando cuidadosamente, e encontrar os gestos com
todo o cuidado .
Mas primeiro que tudo, existe a vontade expressa de preparar o fogo .
.
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
As lutas de classe .
São todos iguais,
mas há uns mais iguais do que outros .
Estava um cordeiro a beber água num regato,
quando surgiu um lobo esfomeado .
O lobo disse ao cordeiro :
-Pira-te daí, que estás a sujar a minha água .
Como? , disse o cordeiro,
- Se a água corre de cima para baixo ...
-Se não foi agora, foi já no ano passado,
disse o lobo mau, já afiando os dentes .
-Mas eu só tenho um ano de idade,
não fui eu, com certeza, disse o bicho, muito assustado ....
E o lobo, furioso, foi ladrando, e abocanhou o borrego :
- É pá, não me irrites mais, disse a fera começando a devorar
o pequeno animal,
se não foste tu que sujaste a água, então foi o teu pai ...
e devotou o cordeiro .
Quem não quer ser lobo,
não lhe veste a pele ...
.
mas há uns mais iguais do que outros .
Estava um cordeiro a beber água num regato,
quando surgiu um lobo esfomeado .
O lobo disse ao cordeiro :
-Pira-te daí, que estás a sujar a minha água .
Como? , disse o cordeiro,
- Se a água corre de cima para baixo ...
-Se não foi agora, foi já no ano passado,
disse o lobo mau, já afiando os dentes .
-Mas eu só tenho um ano de idade,
não fui eu, com certeza, disse o bicho, muito assustado ....
E o lobo, furioso, foi ladrando, e abocanhou o borrego :
- É pá, não me irrites mais, disse a fera começando a devorar
o pequeno animal,
se não foste tu que sujaste a água, então foi o teu pai ...
e devotou o cordeiro .
Quem não quer ser lobo,
não lhe veste a pele ...
.
domingo, 3 de dezembro de 2017
A MINHA MÃE .
A vida,
foi a minha MÃE que ma deu .
É muito difícil evocar a minha Mãe, a Maria Olinda,
como o meu Pai, carinhosamente, a tratava .
Eu sempre a tratei por
Mãezinha .
Ela sim, é que teve uma vida difícil, complicada, dividida
com mil cuidados, entre os cinco filhos que criou, e o ca-
rinho do meu Pai .
Vivia-se naquela época com enorme austeridade .
Esquecida pelos meus avós paternos, que nunca aceitaram
casamento, por questões de natureza religiosas .
Casou muito nova, com os filhos a sucederem-se, uns a se-
guir aos outros, sem ser tempo de intervalar um pouco,
Tenho uma recordação pouco nítida dessa altura, com os ir-
mãos muito pequenos, e com as deslocações que os meus
Pais faziam, por razões de emprego do meu Pai, e que às ve-
zes a acompanhava .
Vivia deste modo, um pouco ao Deus
dará,
sempre enquadrado pela família mais chegada .
Sempre me senti um pouco abandonado,
e fui desmamado muito cedo, que outro irmão já estava à
espera .
Mais tarde, tudo se viria a complicar muito mais, com a gi-
nástica que os meus Pais faziam para encontrar colocação
escolar, para cinco filhos, que deambulavam de escola, pa-
ra escola e de terra, para terra, como se se tratasse de uma
gincana vital .
Só muito mais tarde tomei verdadeira consciência das difi-
culdades e das provações por que a minha Mãe (e o meu
Pai, claro), foram passando, todos esses anos .
Entre gravidezes e partos, e toda uma série e deslocações, a
ajudar a grandes problemas económicos, não foi nada fácil a
vida da minha querida Mãe .
O roteiro das andanças da minha família começava em Seia,
a terra de toda a tribo, e passava por Lisbos, várias vezes, pelo
Tortosendo, Covilhã, Castelo Branco, Guarda, e mais outra
vez, Lisboa .
Andávamos sempre com a casa às costas, como os caracóis .
A mudança de habitação era uma autêntica operação mili-
tar . Uma das minhas missões, era desaparafusar e voltar a
aparafusar os parafusos das camas em que dormíamos, já
gastos com o uso .
Quem tem filhos, tem cadilhos,
quem os não, cadilhos tem .
Cada filho é sempre único .
Todos são filhos únicos, mas o último a nascer, é mais único
do que os outros . E esse é o rei durante um certo tempo, e re-
cebe as suas benesses .
Logo, logo, vinha outro, que depressa se tinha que fazer à vida .
O meu Pai tirou a 4ª. classe, e aos dez anos começou a trabal-
har, no escritório do advogado Dr. Calixto Pires, uma pessoa
de grande categoria e prestígio, que desde logo o adoptou para
seu ajudante .
Mais tarde, ele e esposa, a Dona Noémia, viriam a ser os padri-
nhos de casamento dos meus Pais .
A minha Mãe ( ainda me lembro de a ouvir cantar no côro da
Igreja de Seia), era a primeira solista, com uma voz maravilho-
sa, diziam as pessoas da família e os amigos mais chegados, que
só a Amália Rodrigues cantava melhor .
Cantava todo o tipo de música portuguesa e as mais conhecidas
da música internacional, mas a sua grande paixão era o Fado .
.
Quase toda a minha família, quer do lado do meu Pai, quer do
lado da minha Mãe, tinha vocação para a música
O meu Avô paterno, José Alves Garcia, era exímio a tocar a con-
certina, o antepassado do acordeão .
O meu Pai, aos dez anos, era o primeiro clarineta na Banda de
Seia .
Os meus tios e tias, elas cantavam quase todas, e eram muitas,
na Igreja . Eles distribuia-se pelos mais varidados instrumentos ,
sobretudo os de sopro . Lembro-me do meu tio António, que to-
cava trombone .
O meu Pai era o homem dos sete
instrumentos .
Na altura, havia a moda chamados conjuntos de Jazz, que abril-
hantavam as festas na Vila e por todo o Concelho de Seia .
O meu Pai, tanto quanto eu me lembro, dedicou-se de seguida ao
saxofone, num dos grupos com maior sucesso desse tempo, que se
designava o ROMPE E RASGA , uma verdadeira preciosidade,
um nome tirado do futuro, bem à maneira à maneira dos moder-
nos Grupos de Rock .
Não me recordo muito bem como surgiram láem casa os instru-
mentos de corda . Lembro-me de durante as minha escavações na
loja do meu Avô, que tudo albergava e onde eu passava longas es-
tadias de pesquisa, onde descobria coisas espantosas, ter encontra-
do um banjo, uma viola e um bandolim .
Portanto é porque era normal que alguém os tocasse .
* Mas deve ter sido em Lisboa, quando o meu Pai trabalhava num
armazém de lanifícios, na Rua Bernardim Ribeiro, onde vivia
comoutros hóspedes, que começou a tocar guitarra, acompanhando
alguns cantores, entre os quais, o nosso grande amigo, o senhor
Francisco Silva, dono de uma voz espantosa e que cantava Ópera
no São Carlos, como amador .
Seriam dessa altura, as grandes farras e cantorias, onde o Pai Plá-
cido, desenvolveu a técnica de tocar viola, e depois guitarra, a qual
viria a ter um lugar importante na nossa vida .
O meu chegou a ter lições com os melhores guitarristas de Fado,
de Lisboa, e começou a frequentar as várias casas de, e, por vezes,
a tocar com outros guitarristas, melhorando a sua perfomance ,
experiência que iria ser importante mais tarde .
.
Tinha terminado a nossa longa e difícil vida de transumância, pelo
menos para os meus Pais .
Havíamos um dia partido de Seia , passámos 2 ou 3 vezes por Lis-
boa, e, quando o meu Pai se fixou no Tortosendo, ´para trabalhar
na fábrica de lanifícios dos Pontífices, aí poisámos um ano.
Depois experimentámos um ano um ano em Castelo Branco, estabe-
lecemo-nos na Covilhã, após termos vivido em 4 casas no Tortosendo .
Com a construção da nossa casa naquela aldeia vermelha, lá aterrá-
mos de vez .
Muito confuso, não é ?.
Agora tentem só uma aproximação à realidade, para terem uma ideia
do esforço feito por todos nós, e, em especial, pela minha Mãe .
Tortosendo
era o que agora chamaríamos um study case, com cerca de 20 fábricas,
apitando, desalmadamente vezes sem conta, de manhã até à tardinha,
pontuando ferozmente os turnos do trabalho fabril .
Tinhamos agora uma casa nossa, novinha em
folha, com quintal e tudo,
muitos cães, abelhas, garagem, um enorme jar-
dim, um poço e até uma adega .
Tudo à maneira,
pena foi que o sonho tão esforçadamente erguido, tenha demorado tão
pouco tempo a gozar ...
Entretanto, a música e o canto tinham feito o seu caminho .
Quase todos os dias havia ensaio dos Fados e Guitarradas .
O ensino do solfejo e dos instrumentos há muito que se processava, com
a minha Mãe a cantar os fados que o meu Pai mais gostava, acompanha-
dos por dois dos meus irmãos .
Até a minha Mãe aprendeu a tocar viola .
Foi a melhor fase da nossa vida .
.
Havia agora espaço para deixar colocar as peças do jogo da vida, sem ter
que andar sempre a andar a trocá-las física e emocionalmente, com medo
de nova mexida .
A criação de um grupo de fados e guitarradas
um conjunto musical, de que o meu Pai era o chefe da orquestra, tocando
Guitarra portuguesa e Acordeão, a minha Mão era a Solista principal e os
meusmãos, os guitarristas residentes .
Havia depois os elementos permanentes, que se tocavam em nossa casa, per-
mutando, por vezes, nas casas de uns, e do outros, trocando experiências,
e exibindo as suas habilidades .
Por vezes tocavam em certos lugares públicos, mas em ambientes familiares,
como era o caso do Ginásio da Covilhã .
Foi uma época mais sossegada, liberta de grandes problemas, e com os filhos já
crescidos, que a música veio a ter um papel central na nossa vida .
Digo nossa, impropriamente, pois que eu ficara libertado dessas ocupações mu-
sicais . Nunca tive propensão para o estudo das notas (musicais),mas gostava de
tocar acordeão, de um modo instintivo . Tocava de olhos fechados como o galo,
mas só com a mão esquerda .
Foi então que, inopinadamente o meu Pai me informou que eu ia estudar para a
escola da noite, para tirar o curso de Debuxador, uma espécie de Técnico têx-
til, Foi um grande choque, em todas as vertentes, mas duas tornaram-se vitais
para mim :
á não tinha que estudar música,
e passei a ter uma vida própria, que quase só
dependia de mim .
Contudo, as coisas ficaram muito baralhadas na minha cabeça .
De repente, deixei de ser adolescente,
e entrei no mundo dos adultos .
Mais uma vez, senti que a minha Mãe ia ficar mais longe de mim .
Preparava-me o pequeno almoço bastante cedo, e eu lá ia para o
Colégio Moderno, a subir a Calçada Alta .
Servia-me o jantar, que eu devorava à pressa e logo partia para a
Noite, para estudar à a noite .
Quando regressava, já toda a gente dormia,
mas a minha Mãe deixava-me sempre uma caneca com leite ou
com chá, para eu tomar , antes de me ir deitar .
Via-a tempo, mas ao menos eu sabia que ela estava lá, sempre co-
migo, para o que desse e viesse .
.
Tinha começado a minha fase de esquizofrenia .
De dia, rapaz,
homem, depois do jantar .
Sempre fui o filho mais chegado à minha Mãe .
Havia coisas que nos ligavam fortemente .
Não me lembro de alguma vez ter ralhado ou discutido com ela .
Havia sempre uma maneira de resolver os problemas, nem que fosse pelo
silêncio . Eram-mos duas pessoas muito reservadas e contidas, com dificul-
dade exprimir o que sentíamos .
Depois havia a partilha da ansiedade, sempre presente em tudo .
Era o único dos meus irmãos que largava a brincadeira, para fazer compan-
hia à minha Mãe, nas longas e sofridas horas de espera até que o meu Pai
chegasse a casa .
Era uma agonia, sobretudo quando ele ia para longe para a caça, ou quando
atravessava a Serra, cortando a tempestade, sempre em grande velocidade .
Uma vez fomos passar o Fim de Ano, a casa dos compadres dos meus Pais,
em Vila Franca das Naves, perto de Trancoso, (a terra do Bandarra) .
Regressámos tarde, em dois carros, que a meio do caminho se desencontra-
ram . O meu Pai guiou acelerou mais um pouco, e de repente ouvimos o car-
ro a arrastar pela estrada, completamente desequilibrado, e faiscando ao su-
bir a estrada, e numa curva . .
Tinha saltado uma das rodas traseiras, e andámos horas a encontrá-la .
Foi preciso tirar uma porca a cada roda, para podermos seguir até Seia , com
gandes cautelas, em 4 rodas .
Um amigo nosso, mecânico, ajudou-nos a resolver o problema, e chegámos ao
Tortosendo, já quase de dia .
O grande sonho da minha Mãe, era ser professora, sonho que nunca viria a
realizar, dadas as circunstâncias da vida .
Não foi professora oficial, mas foi ela que ensinou quase tudo, aos cinco fil-
hos . Sob a orientação e a mão firme do meu Pai, tudo fez, tudo ensinou, pa-
cientemente, desde o mamar, comer, vestir, comportar-se, o tomar banho, as
pri-meiras letras e as primeiras contas .
Arrumava a casa, fazia a comida, costurava pequenos arranjos. preparava a
comida para os cães, que eram quase família .
Não tinha tempo sequer, para descansar um pouco .
Desvelava-se a tratar das doenças, quase sempre havia um dos filhos a neces-
sitar de cuidados, levava-nos ao Dr. Melo, uma espécie de João Semana moder-
do, que nos atendia a todos com grande cuidado .
Os honorários eram pagos com as melhores peças de caça que o meu Pai tra-
zia para casa .
Como já escrevi anteriormente, foi no Tortosendo (e um pouco antes
na Covilhã) que os meus pais ganharam algum alento .
A lida da casa era agora mais fácil .
Mas a saúde ia minguando em, sentido contrário .
Lembro-me de, quando a minha Mãe ia à praça ou ao talho comigo,
ficava sempre por ali perto (aliás, na terra era tudo muito perto) e fica-
va à coca, à espera, para lhe trazer o saco das compras, durante a com-
prida e empinada rua até nossa casa .
O trabalho com os cães era pesado .
Os cães(e as espingardas) eram os instrumentos de trabalho indispensá-
veis para a procura de alimento para todos nós .
Numa primeira fase da nossa vida, diríamos que a caça e a pesca, eram
parte significativa da dieta familiar .
Mais tarde, o meu Pai, era um dos melhores caçadores do país, e tirava
proveito da sua habilidade, para percorrer a zona centro de Portugal,
para entrar nos torneios de Tiro aos Pratos, tendo ganho centenas de tro-
féus .
O problema de caçar muito e bem ( o meu Pai só caçava animais de penas,
pois os coelhos tinha sido dizimados e doentes com uma doença, chamada
Mixomatose, ainda não totalmente recuperada)
era a que a quantidade de bichos que tinha que ser limpa e depenada, e
isso era uma tarefa imensa, que em regra, calhava à minha Mãe .
Ás vezes, a mortandade calhava em tempo de férias, e então era ver a fa-
mília reunida em grupos, no concurso para ver quem depenava melhor e
mais depressa .
Depois, ao serão,
regressava em forte, a música,
até alta madrugada .
.
Um Anjo que desceu à Terra .
Desde nova muito nova, que a minha Mãe começou a cantar na Igreja, como solis-
ta do Côro da Igreja .
Talvez que esse facto tivesse contribuído para cimentar a união matrimonial .
Devia portanto nas festas e nos arraiais, e nos passeios à Serra, como por exemplo,
durante os magustos e almoçaradas na Senhora do Espinheiro, onde mais tarde ain-
da participei algumas vezes .
Não havia carros, e tudo era carregado serra acima, em alegre algazarra .
Passava-se o dia, comendo e bebendo, e a festa acabava por desembocar nas canti-
gar, até ao pôr do Sol .
Na igreja, até os não crentes entravam para ouvir cantar a minha Mãe, ao lado das
outras senhoras, entre elas várias das minhas tias .
Mais tarde, quando a vida se ajeitou um pouco,
já na Covilhã, o meu Pai começou a ensinar um pouco de técnica de canto r demúsica,
de modo a realçar, ainda mais a voz de Anjo, com que a minha Mãe fora dotada ,
Foi então, que os fados e guitarradas se guinaram a uma altura ímpar, nos saraus fami-
liares e e de grupos de amigos .
A minha ouvia as musicas, escolhia as letras,e o meu Pai arranjava as músicas
e seleccionava os tons das cantigas . Uma parceria que iria durar para sem-
pre .
Cantava tudo o que era música portuguesa, desde o folclore, até às musicas co-
nhecidas internacionalmente, mas a sua grande paixão era o Fado .
A Escola da Noite .
Parece um convite à má vida. Antes fosse .
Já tinha ouvido falar nos debuxadores .
O meu Pai dizia-me que era uma profissão muito bem paga, e que devia ser uma
coisa boa para mim .
Já tinha feito alguns desenhos no Liceu da Covilhã . Tinha feito o busto do Almei-
da Garret, para a festa de homenagem do grande escritor .
As pessoas gostaram .
Foi quando me mandou tirar o curso, na Escola Comercial e Industrial da Covilhã,
a Escola Melo e Castro .
Não foi difícil adaptar-me aos novos estudos, que não à vida de quase escravo, que
passei a ter .
Fiz alguns amigos, e, rapidamente me transformei no melhor aluno do Curso .
Eu era um menino, no meio dos adultos .
O ensino era muito técnico, mas para mim , muito fácil de apreender .
Tinham-me dado equivalência ao Ciclo Preparatório, de modo que entrei logo nas cadeiras
profissionais, num curso de 5 anos, que acumulava com o ensino do Liceu .
O CURSO DE MALANDRO .
Já tinha frequentado muitas das matérias que fazem um malandro,
com uma boa aprendizagem absorvida nas várias escolas primárias que havia frequentado .
Formei-me nessas matérias, no Colégio Moderno da Covilhã, que tinha uma merecida reputação .
Acabei por ser Doutorado na escola da noite .
A Vida, fez-me Catedrático em em Ciências da malandragem .
Transformei-me em malandro, cigano e vadio,
e tenho vindo a reciclar-me pela vida fora .
.
Com a minha vida à noite, algumas coisas melhoraram.
Deixei de ter que passear os cães, que me tinham arranjado uma série de pro-
blemas, tinha sido levado à Esquadra, porque um dos cães atirava-se às pessoas,
carteiros, fardas e mendigos .
O animal, depois de muitas peripécias, acabou por ser abatido no canil .
Acabou-se o tormento de aprender solfejo, o meu Pai não me deixava tocar acor-
deã, tinha que tocar às escondidas .
E deixei de ter que dar satisfações sobre o que fazia ou não, durante as horas do
meu longo dia .
Ganhei a chave de casa aos meus 14 anos, por uma razão picaresca .
Logo nos primeiros dias da Escola, tinha chegado tarde a casa, já toda a gente
dormia, e eu comecei a escalar o meu quarto, quando fui agarrado pelas pernas
por um guarda, e tive que fazer valer os meus direitos:
Ó senhor guarda, essa casa é minha,
s.f.f., toque lá a campaínha, para a minha Mãe me abrir a porta .
Foi remédio santo .
No dia seguinte, o meu Pai entregou-me a chave da casa .
Os serões musicais .
Os ensaios das cantorias e os concertos iam-se sucedendo na minha ausência,
em regra aos fins de semana .
Depois de tirada a mesa e arrumada a cozinha, ia-se compondo o cenário .
Sacavam-se os instrumentos e compunha-se a sala .
Apareciam os tocadores habituais :
O Torres Pereira, na guitarra, o lança na viola, e os meus dois irmãos tocadores .
Vinha o fadista Marchão, e aparecia sempre mais um ou dois comparsas, para
compôr o ramalhete .
O meu Pai passava da guitarra, para o acordeão,
Mas a minha Mãe era a Raínha da Festa .
Fados e guitarradas, de ouvir e chorar por mais .
Se eu gostava de a ouvir cantar .
Às vezes, quando a minha Mãe cantava nos agudos, eu ficava aflito, com o medo
de poder falha alguma nota .
Mas nunca aconteceu .
A minha Mãe ia cantando noite fora, até que o esforço despendido a vencesse .
Uma vez, pela Páscoa, em casa da minha avó, mãe da minha mãe, depois de ter
passado o Jesus beijado,
estava lançada a parte musical, juntavam-se mais ouvintes e participantes .
E o meu Pai dizia,
Maria Olinda,
canta aquela de que tu gostas tanto .
Começava com chave de oiro .
Uma vez. lá em Seia, o meu primo Zé Manel armou a aparelhagem e começou a gravar o espectáculo, com locução e tudo .
A cassete com a música da-minha Mãe, andou por aí às cambalhotas, mas ainda hoje reli-
giosamente uma cópia .
A minha Mãe foi um anjo
que desceu à terra para cantar .
.
O que mais me prende à vida
Não é o amor de ninguém
É que a morte de esquecida
Deixa o mal e leva o bem
Quando finalmente a minha Mãe começou a ter algum sossego, eis que a vida lhe viria a
pregar um enorme partida .
Os filhos estavam todos orientados nos seus estudos ou nas suas profissões, com a minha
Mãe gozando um merecido descanso e alguma melhoria de vida, eis que surge, como uma grande perturbação, o 25 de Abril, abençoado por quase todos, maldito para alguns, muito
poucos .
O Tortosendo era conhecido como a aldeia vermelha, com uma grande predominãncia de
adeptos do PCP .
Não sei ao certo o que se teria passado naqueles dias conturbados, mas correram boatos
reles contra o meu Pai .
Sei que a minha Mãe, já com a saúde muito abalada, passou a viver em estado e pânico .
Eram tempos difíceis, com as pessoas acirradas e revoltadas, desorientaads, procurando
arranjar fantasmas e bodes expiatórios pela pobreza e pela ignorância, de tantos anos de
dificuldade extremas .
A minha Mãe não resistiu,
e partiu, na flor da idade .
Ainda hoje vivo amargurado por ter tido a Revolução responsável, em parte, pelo desa-
parecimento da pessoa que mais amava neste mundo,
e também pelo facto de nunca a ter conseguido compensá-la minimamente pelos sacrifí-
cios que por mim fez, durante toda a sua existência .
Ainda a levei a passear algumas vezes a passear, uma ou outra vez, à Serra, à Floresta,
às Sete Fontes, e à ribeira de Unhais .
Lembro-me de Ela e o Pedro terem ido molhar os pés, na água fria da Ribeira .
É talvez, uma das últimas imagens da minha Mãe .
.
foi a minha MÃE que ma deu .
É muito difícil evocar a minha Mãe, a Maria Olinda,
como o meu Pai, carinhosamente, a tratava .
Eu sempre a tratei por
Mãezinha .
Ela sim, é que teve uma vida difícil, complicada, dividida
com mil cuidados, entre os cinco filhos que criou, e o ca-
rinho do meu Pai .
Vivia-se naquela época com enorme austeridade .
Esquecida pelos meus avós paternos, que nunca aceitaram
casamento, por questões de natureza religiosas .
Casou muito nova, com os filhos a sucederem-se, uns a se-
guir aos outros, sem ser tempo de intervalar um pouco,
Tenho uma recordação pouco nítida dessa altura, com os ir-
mãos muito pequenos, e com as deslocações que os meus
Pais faziam, por razões de emprego do meu Pai, e que às ve-
zes a acompanhava .
Vivia deste modo, um pouco ao Deus
dará,
sempre enquadrado pela família mais chegada .
Sempre me senti um pouco abandonado,
e fui desmamado muito cedo, que outro irmão já estava à
espera .
Mais tarde, tudo se viria a complicar muito mais, com a gi-
nástica que os meus Pais faziam para encontrar colocação
escolar, para cinco filhos, que deambulavam de escola, pa-
ra escola e de terra, para terra, como se se tratasse de uma
gincana vital .
Só muito mais tarde tomei verdadeira consciência das difi-
culdades e das provações por que a minha Mãe (e o meu
Pai, claro), foram passando, todos esses anos .
Entre gravidezes e partos, e toda uma série e deslocações, a
ajudar a grandes problemas económicos, não foi nada fácil a
vida da minha querida Mãe .
O roteiro das andanças da minha família começava em Seia,
a terra de toda a tribo, e passava por Lisbos, várias vezes, pelo
Tortosendo, Covilhã, Castelo Branco, Guarda, e mais outra
vez, Lisboa .
Andávamos sempre com a casa às costas, como os caracóis .
A mudança de habitação era uma autêntica operação mili-
tar . Uma das minhas missões, era desaparafusar e voltar a
aparafusar os parafusos das camas em que dormíamos, já
gastos com o uso .
Quem tem filhos, tem cadilhos,
quem os não, cadilhos tem .
Cada filho é sempre único .
Todos são filhos únicos, mas o último a nascer, é mais único
do que os outros . E esse é o rei durante um certo tempo, e re-
cebe as suas benesses .
Logo, logo, vinha outro, que depressa se tinha que fazer à vida .
O meu Pai tirou a 4ª. classe, e aos dez anos começou a trabal-
har, no escritório do advogado Dr. Calixto Pires, uma pessoa
de grande categoria e prestígio, que desde logo o adoptou para
seu ajudante .
Mais tarde, ele e esposa, a Dona Noémia, viriam a ser os padri-
nhos de casamento dos meus Pais .
A minha Mãe ( ainda me lembro de a ouvir cantar no côro da
Igreja de Seia), era a primeira solista, com uma voz maravilho-
sa, diziam as pessoas da família e os amigos mais chegados, que
só a Amália Rodrigues cantava melhor .
Cantava todo o tipo de música portuguesa e as mais conhecidas
da música internacional, mas a sua grande paixão era o Fado .
.
Quase toda a minha família, quer do lado do meu Pai, quer do
lado da minha Mãe, tinha vocação para a música
O meu Avô paterno, José Alves Garcia, era exímio a tocar a con-
certina, o antepassado do acordeão .
O meu Pai, aos dez anos, era o primeiro clarineta na Banda de
Seia .
Os meus tios e tias, elas cantavam quase todas, e eram muitas,
na Igreja . Eles distribuia-se pelos mais varidados instrumentos ,
sobretudo os de sopro . Lembro-me do meu tio António, que to-
cava trombone .
O meu Pai era o homem dos sete
instrumentos .
Na altura, havia a moda chamados conjuntos de Jazz, que abril-
hantavam as festas na Vila e por todo o Concelho de Seia .
O meu Pai, tanto quanto eu me lembro, dedicou-se de seguida ao
saxofone, num dos grupos com maior sucesso desse tempo, que se
designava o ROMPE E RASGA , uma verdadeira preciosidade,
um nome tirado do futuro, bem à maneira à maneira dos moder-
nos Grupos de Rock .
Não me recordo muito bem como surgiram láem casa os instru-
mentos de corda . Lembro-me de durante as minha escavações na
loja do meu Avô, que tudo albergava e onde eu passava longas es-
tadias de pesquisa, onde descobria coisas espantosas, ter encontra-
do um banjo, uma viola e um bandolim .
Portanto é porque era normal que alguém os tocasse .
* Mas deve ter sido em Lisboa, quando o meu Pai trabalhava num
armazém de lanifícios, na Rua Bernardim Ribeiro, onde vivia
comoutros hóspedes, que começou a tocar guitarra, acompanhando
alguns cantores, entre os quais, o nosso grande amigo, o senhor
Francisco Silva, dono de uma voz espantosa e que cantava Ópera
no São Carlos, como amador .
Seriam dessa altura, as grandes farras e cantorias, onde o Pai Plá-
cido, desenvolveu a técnica de tocar viola, e depois guitarra, a qual
viria a ter um lugar importante na nossa vida .
O meu chegou a ter lições com os melhores guitarristas de Fado,
de Lisboa, e começou a frequentar as várias casas de, e, por vezes,
a tocar com outros guitarristas, melhorando a sua perfomance ,
experiência que iria ser importante mais tarde .
.
Tinha terminado a nossa longa e difícil vida de transumância, pelo
menos para os meus Pais .
Havíamos um dia partido de Seia , passámos 2 ou 3 vezes por Lis-
boa, e, quando o meu Pai se fixou no Tortosendo, ´para trabalhar
na fábrica de lanifícios dos Pontífices, aí poisámos um ano.
Depois experimentámos um ano um ano em Castelo Branco, estabe-
lecemo-nos na Covilhã, após termos vivido em 4 casas no Tortosendo .
Com a construção da nossa casa naquela aldeia vermelha, lá aterrá-
mos de vez .
Muito confuso, não é ?.
Agora tentem só uma aproximação à realidade, para terem uma ideia
do esforço feito por todos nós, e, em especial, pela minha Mãe .
Tortosendo
era o que agora chamaríamos um study case, com cerca de 20 fábricas,
apitando, desalmadamente vezes sem conta, de manhã até à tardinha,
pontuando ferozmente os turnos do trabalho fabril .
Tinhamos agora uma casa nossa, novinha em
folha, com quintal e tudo,
muitos cães, abelhas, garagem, um enorme jar-
dim, um poço e até uma adega .
Tudo à maneira,
pena foi que o sonho tão esforçadamente erguido, tenha demorado tão
pouco tempo a gozar ...
Entretanto, a música e o canto tinham feito o seu caminho .
Quase todos os dias havia ensaio dos Fados e Guitarradas .
O ensino do solfejo e dos instrumentos há muito que se processava, com
a minha Mãe a cantar os fados que o meu Pai mais gostava, acompanha-
dos por dois dos meus irmãos .
Até a minha Mãe aprendeu a tocar viola .
Foi a melhor fase da nossa vida .
.
Havia agora espaço para deixar colocar as peças do jogo da vida, sem ter
que andar sempre a andar a trocá-las física e emocionalmente, com medo
de nova mexida .
A criação de um grupo de fados e guitarradas
um conjunto musical, de que o meu Pai era o chefe da orquestra, tocando
Guitarra portuguesa e Acordeão, a minha Mão era a Solista principal e os
meusmãos, os guitarristas residentes .
Havia depois os elementos permanentes, que se tocavam em nossa casa, per-
mutando, por vezes, nas casas de uns, e do outros, trocando experiências,
e exibindo as suas habilidades .
Por vezes tocavam em certos lugares públicos, mas em ambientes familiares,
como era o caso do Ginásio da Covilhã .
Foi uma época mais sossegada, liberta de grandes problemas, e com os filhos já
crescidos, que a música veio a ter um papel central na nossa vida .
Digo nossa, impropriamente, pois que eu ficara libertado dessas ocupações mu-
sicais . Nunca tive propensão para o estudo das notas (musicais),mas gostava de
tocar acordeão, de um modo instintivo . Tocava de olhos fechados como o galo,
mas só com a mão esquerda .
Foi então que, inopinadamente o meu Pai me informou que eu ia estudar para a
escola da noite, para tirar o curso de Debuxador, uma espécie de Técnico têx-
til, Foi um grande choque, em todas as vertentes, mas duas tornaram-se vitais
para mim :
á não tinha que estudar música,
e passei a ter uma vida própria, que quase só
dependia de mim .
Contudo, as coisas ficaram muito baralhadas na minha cabeça .
De repente, deixei de ser adolescente,
e entrei no mundo dos adultos .
Mais uma vez, senti que a minha Mãe ia ficar mais longe de mim .
Preparava-me o pequeno almoço bastante cedo, e eu lá ia para o
Colégio Moderno, a subir a Calçada Alta .
Servia-me o jantar, que eu devorava à pressa e logo partia para a
Noite, para estudar à a noite .
Quando regressava, já toda a gente dormia,
mas a minha Mãe deixava-me sempre uma caneca com leite ou
com chá, para eu tomar , antes de me ir deitar .
Via-a tempo, mas ao menos eu sabia que ela estava lá, sempre co-
migo, para o que desse e viesse .
.
Tinha começado a minha fase de esquizofrenia .
De dia, rapaz,
homem, depois do jantar .
Sempre fui o filho mais chegado à minha Mãe .
Havia coisas que nos ligavam fortemente .
Não me lembro de alguma vez ter ralhado ou discutido com ela .
Havia sempre uma maneira de resolver os problemas, nem que fosse pelo
silêncio . Eram-mos duas pessoas muito reservadas e contidas, com dificul-
dade exprimir o que sentíamos .
Depois havia a partilha da ansiedade, sempre presente em tudo .
Era o único dos meus irmãos que largava a brincadeira, para fazer compan-
hia à minha Mãe, nas longas e sofridas horas de espera até que o meu Pai
chegasse a casa .
Era uma agonia, sobretudo quando ele ia para longe para a caça, ou quando
atravessava a Serra, cortando a tempestade, sempre em grande velocidade .
Uma vez fomos passar o Fim de Ano, a casa dos compadres dos meus Pais,
em Vila Franca das Naves, perto de Trancoso, (a terra do Bandarra) .
Regressámos tarde, em dois carros, que a meio do caminho se desencontra-
ram . O meu Pai guiou acelerou mais um pouco, e de repente ouvimos o car-
ro a arrastar pela estrada, completamente desequilibrado, e faiscando ao su-
bir a estrada, e numa curva . .
Tinha saltado uma das rodas traseiras, e andámos horas a encontrá-la .
Foi preciso tirar uma porca a cada roda, para podermos seguir até Seia , com
gandes cautelas, em 4 rodas .
Um amigo nosso, mecânico, ajudou-nos a resolver o problema, e chegámos ao
Tortosendo, já quase de dia .
O grande sonho da minha Mãe, era ser professora, sonho que nunca viria a
realizar, dadas as circunstâncias da vida .
Não foi professora oficial, mas foi ela que ensinou quase tudo, aos cinco fil-
hos . Sob a orientação e a mão firme do meu Pai, tudo fez, tudo ensinou, pa-
cientemente, desde o mamar, comer, vestir, comportar-se, o tomar banho, as
pri-meiras letras e as primeiras contas .
Arrumava a casa, fazia a comida, costurava pequenos arranjos. preparava a
comida para os cães, que eram quase família .
Não tinha tempo sequer, para descansar um pouco .
Desvelava-se a tratar das doenças, quase sempre havia um dos filhos a neces-
sitar de cuidados, levava-nos ao Dr. Melo, uma espécie de João Semana moder-
do, que nos atendia a todos com grande cuidado .
Os honorários eram pagos com as melhores peças de caça que o meu Pai tra-
zia para casa .
Como já escrevi anteriormente, foi no Tortosendo (e um pouco antes
na Covilhã) que os meus pais ganharam algum alento .
A lida da casa era agora mais fácil .
Mas a saúde ia minguando em, sentido contrário .
Lembro-me de, quando a minha Mãe ia à praça ou ao talho comigo,
ficava sempre por ali perto (aliás, na terra era tudo muito perto) e fica-
va à coca, à espera, para lhe trazer o saco das compras, durante a com-
prida e empinada rua até nossa casa .
O trabalho com os cães era pesado .
Os cães(e as espingardas) eram os instrumentos de trabalho indispensá-
veis para a procura de alimento para todos nós .
Numa primeira fase da nossa vida, diríamos que a caça e a pesca, eram
parte significativa da dieta familiar .
Mais tarde, o meu Pai, era um dos melhores caçadores do país, e tirava
proveito da sua habilidade, para percorrer a zona centro de Portugal,
para entrar nos torneios de Tiro aos Pratos, tendo ganho centenas de tro-
féus .
O problema de caçar muito e bem ( o meu Pai só caçava animais de penas,
pois os coelhos tinha sido dizimados e doentes com uma doença, chamada
Mixomatose, ainda não totalmente recuperada)
era a que a quantidade de bichos que tinha que ser limpa e depenada, e
isso era uma tarefa imensa, que em regra, calhava à minha Mãe .
Ás vezes, a mortandade calhava em tempo de férias, e então era ver a fa-
mília reunida em grupos, no concurso para ver quem depenava melhor e
mais depressa .
Depois, ao serão,
regressava em forte, a música,
até alta madrugada .
.
Um Anjo que desceu à Terra .
Desde nova muito nova, que a minha Mãe começou a cantar na Igreja, como solis-
ta do Côro da Igreja .
Talvez que esse facto tivesse contribuído para cimentar a união matrimonial .
Devia portanto nas festas e nos arraiais, e nos passeios à Serra, como por exemplo,
durante os magustos e almoçaradas na Senhora do Espinheiro, onde mais tarde ain-
da participei algumas vezes .
Não havia carros, e tudo era carregado serra acima, em alegre algazarra .
Passava-se o dia, comendo e bebendo, e a festa acabava por desembocar nas canti-
gar, até ao pôr do Sol .
Na igreja, até os não crentes entravam para ouvir cantar a minha Mãe, ao lado das
outras senhoras, entre elas várias das minhas tias .
Mais tarde, quando a vida se ajeitou um pouco,
já na Covilhã, o meu Pai começou a ensinar um pouco de técnica de canto r demúsica,
de modo a realçar, ainda mais a voz de Anjo, com que a minha Mãe fora dotada ,
Foi então, que os fados e guitarradas se guinaram a uma altura ímpar, nos saraus fami-
liares e e de grupos de amigos .
A minha ouvia as musicas, escolhia as letras,e o meu Pai arranjava as músicas
e seleccionava os tons das cantigas . Uma parceria que iria durar para sem-
pre .
Cantava tudo o que era música portuguesa, desde o folclore, até às musicas co-
nhecidas internacionalmente, mas a sua grande paixão era o Fado .
A Escola da Noite .
Parece um convite à má vida. Antes fosse .
Já tinha ouvido falar nos debuxadores .
O meu Pai dizia-me que era uma profissão muito bem paga, e que devia ser uma
coisa boa para mim .
Já tinha feito alguns desenhos no Liceu da Covilhã . Tinha feito o busto do Almei-
da Garret, para a festa de homenagem do grande escritor .
As pessoas gostaram .
Foi quando me mandou tirar o curso, na Escola Comercial e Industrial da Covilhã,
a Escola Melo e Castro .
Não foi difícil adaptar-me aos novos estudos, que não à vida de quase escravo, que
passei a ter .
Fiz alguns amigos, e, rapidamente me transformei no melhor aluno do Curso .
Eu era um menino, no meio dos adultos .
O ensino era muito técnico, mas para mim , muito fácil de apreender .
Tinham-me dado equivalência ao Ciclo Preparatório, de modo que entrei logo nas cadeiras
profissionais, num curso de 5 anos, que acumulava com o ensino do Liceu .
O CURSO DE MALANDRO .
Já tinha frequentado muitas das matérias que fazem um malandro,
com uma boa aprendizagem absorvida nas várias escolas primárias que havia frequentado .
Formei-me nessas matérias, no Colégio Moderno da Covilhã, que tinha uma merecida reputação .
Acabei por ser Doutorado na escola da noite .
A Vida, fez-me Catedrático em em Ciências da malandragem .
Transformei-me em malandro, cigano e vadio,
e tenho vindo a reciclar-me pela vida fora .
.
Com a minha vida à noite, algumas coisas melhoraram.
Deixei de ter que passear os cães, que me tinham arranjado uma série de pro-
blemas, tinha sido levado à Esquadra, porque um dos cães atirava-se às pessoas,
carteiros, fardas e mendigos .
O animal, depois de muitas peripécias, acabou por ser abatido no canil .
Acabou-se o tormento de aprender solfejo, o meu Pai não me deixava tocar acor-
deã, tinha que tocar às escondidas .
E deixei de ter que dar satisfações sobre o que fazia ou não, durante as horas do
meu longo dia .
Ganhei a chave de casa aos meus 14 anos, por uma razão picaresca .
Logo nos primeiros dias da Escola, tinha chegado tarde a casa, já toda a gente
dormia, e eu comecei a escalar o meu quarto, quando fui agarrado pelas pernas
por um guarda, e tive que fazer valer os meus direitos:
Ó senhor guarda, essa casa é minha,
s.f.f., toque lá a campaínha, para a minha Mãe me abrir a porta .
Foi remédio santo .
No dia seguinte, o meu Pai entregou-me a chave da casa .
Os serões musicais .
Os ensaios das cantorias e os concertos iam-se sucedendo na minha ausência,
em regra aos fins de semana .
Depois de tirada a mesa e arrumada a cozinha, ia-se compondo o cenário .
Sacavam-se os instrumentos e compunha-se a sala .
Apareciam os tocadores habituais :
O Torres Pereira, na guitarra, o lança na viola, e os meus dois irmãos tocadores .
Vinha o fadista Marchão, e aparecia sempre mais um ou dois comparsas, para
compôr o ramalhete .
O meu Pai passava da guitarra, para o acordeão,
Mas a minha Mãe era a Raínha da Festa .
Fados e guitarradas, de ouvir e chorar por mais .
Se eu gostava de a ouvir cantar .
Às vezes, quando a minha Mãe cantava nos agudos, eu ficava aflito, com o medo
de poder falha alguma nota .
Mas nunca aconteceu .
A minha Mãe ia cantando noite fora, até que o esforço despendido a vencesse .
Uma vez, pela Páscoa, em casa da minha avó, mãe da minha mãe, depois de ter
passado o Jesus beijado,
estava lançada a parte musical, juntavam-se mais ouvintes e participantes .
E o meu Pai dizia,
Maria Olinda,
canta aquela de que tu gostas tanto .
Começava com chave de oiro .
Uma vez. lá em Seia, o meu primo Zé Manel armou a aparelhagem e começou a gravar o espectáculo, com locução e tudo .
A cassete com a música da-minha Mãe, andou por aí às cambalhotas, mas ainda hoje reli-
giosamente uma cópia .
A minha Mãe foi um anjo
que desceu à terra para cantar .
.
O que mais me prende à vida
Não é o amor de ninguém
É que a morte de esquecida
Deixa o mal e leva o bem
Quando finalmente a minha Mãe começou a ter algum sossego, eis que a vida lhe viria a
pregar um enorme partida .
Os filhos estavam todos orientados nos seus estudos ou nas suas profissões, com a minha
Mãe gozando um merecido descanso e alguma melhoria de vida, eis que surge, como uma grande perturbação, o 25 de Abril, abençoado por quase todos, maldito para alguns, muito
poucos .
O Tortosendo era conhecido como a aldeia vermelha, com uma grande predominãncia de
adeptos do PCP .
Não sei ao certo o que se teria passado naqueles dias conturbados, mas correram boatos
reles contra o meu Pai .
Sei que a minha Mãe, já com a saúde muito abalada, passou a viver em estado e pânico .
Eram tempos difíceis, com as pessoas acirradas e revoltadas, desorientaads, procurando
arranjar fantasmas e bodes expiatórios pela pobreza e pela ignorância, de tantos anos de
dificuldade extremas .
A minha Mãe não resistiu,
e partiu, na flor da idade .
Ainda hoje vivo amargurado por ter tido a Revolução responsável, em parte, pelo desa-
parecimento da pessoa que mais amava neste mundo,
e também pelo facto de nunca a ter conseguido compensá-la minimamente pelos sacrifí-
cios que por mim fez, durante toda a sua existência .
Ainda a levei a passear algumas vezes a passear, uma ou outra vez, à Serra, à Floresta,
às Sete Fontes, e à ribeira de Unhais .
Lembro-me de Ela e o Pedro terem ido molhar os pés, na água fria da Ribeira .
É talvez, uma das últimas imagens da minha Mãe .
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