As sete vidas .
Como é que eu vim parar ao Tortosendo ?
A minha família cresceu e viveu numa terra de montanha,
com tudo o que isso implica, de bom e de mau .
Seia, uma Vila Presépio,
Com bons ares e melhores águas .
Longe de tudo e de todos, com as insuficiências materiais e
humanas, num pós guerra com o mundo devastado por uma
guerra e um extermínio horríveis .
o António Plácido,
o senhor meu Pai,
armado com um diploma da 4ª. classe, fez-se ao Mundo .
Foi subindo os degraus da vida, como quem escala uma mon-
tanha sem fim .
Tirou um Curso de Contabilidade, por correspondência, foi um
músico virtuoso, caçador e pescador, percorrendo a Serra da Es-
trela, de fio a pavio, jogou à bola nos clubes locais, Os Viriatos e,
pois no Seia Futebol Clube, um Back de respeito, ao lado de ou-
tros familiares e amigos, integrava os conjuntos musicais da Ter-
ra, amigo do seu amigo, companheiro em festas e romarias, foi
um cometa que atravessou o firmamento Senense .
Lembro-me dele, era eu um moço travesso, lingrinhas, corren-
do lesto para a escola e para a brincadeira .
O primeiro emprego de que me lembro, foi no Grémio da La-
voura, de Seia, onde era Contabilista .
E aí esteve, durante os primeiros anos da minha meninice .
Mas aquele mundo,
era pequeno demais para ele .
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Seia, como outras terras em volta, viviam da parca agricultura, do
pinhal e do pasto para os animais .
Dada a sua situação geográfica e a natureza das águas da Serra, com
pouco calcáreo, desenvolveu desde muito cedo, desde a época do Mar-
quês de Pombal, que mandou construir a Real Fábrica dos Panos, na
Covilhã, uma indústria de lanifícios, que foi ocupando toda Serra .
Outro grande empreendimento, que veio criar riqueza em Seia, foi
a Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela, luminosa ideia de um
homem de Gouveia, Marques da Silva, que criou do nada, uma obra
gigantesca em toda a região .
Obteve a concessão de todas as águas da Serra, a troco de electricida-
de barata, ao preço da uva mijona, durante meio século .
Graças a esta benesse da natureza e dos serranos, Seia foi, desde há
muito, uma terra de mão de obra especializada e de progresso .
Os Lanifícios, eram uma grande actividade económica, em especial da
cidade da Covilhã, mas com grandes satélites em Tortosendo, Alvoco
da Serra, Loriga, Seia, Manteigas e Gouveia, entre outras .
Mas foi com o dealbar da Guerra Colonial, com o contrato de exclusi-
vidade que o Governo assinou com o industrial Joaquim Fernandes Si-
mões, mais tarde Comendador, para fomento da indústria de fardamen-
to, que fez explodir o mercado de trabalho, na minha terra .
Já então, o senhor Meu Pai, era um Contabilista de renome e disputa-
do em vários círculos .
Entre as várias propostas de emprego, o António Plácido acabou por
optar pela Fábrica dos Irmãos Pontífices, localizada do outro lado da Ser-
ra da Estrela .
Só muito mais tarde,
(as voltas que o Mundo dá ...),
talvez tenha entendido o alcance da escolha que o Meu Pai fez :
Tinha aberto o caminho dos filhos, para outras
aventuras,
Liceus, Escolas Comerciais e Industriais
e, porque não, para as Universidades .
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Antes de ser colocado no Tortosendo, o Meu Pai esteve a algum tempo
a trabalhar no Porto .
Passou depois alguns anos, nos escritórios da firma Superfix, em Lisboa,
na Rua dos Sapateiros, na Baixa Lisboeta .
De caminho, morámos na Pensão do Gaia, na Rua Bernardim Ribeiro,
depois na Rua B, à Av. Afonso III e ainda na R de Arroios .
Tinha acabado o Rally Paper,
sempre em busca de um lugar ao sol, e melhoria das condições de vida da
tribo .
Na Covilhã/Tortosendo, tinhamos finalmente encontrado porto de abrigo,
com direito a a vivermos um pouco de paz e sossego .
Com a construção da casa da família, surgiu alguma estabilidade, mas todos
tínhamos crescido, e procurávamos agora voar um pouco mais alto .
Partíamos para Castelo Branco, para a Guarda, para Coimbra ou para
Lisboa, onde houvesse a melhor solução de estudo, para cada caso .
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Havia agora algum espaço para os Meus Pais se ocuparem um pouco mais
de si próprios, tentando recuperar o tempo perdido .
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