Os bois mansos,
os boizinhos,
leões com corações
de passarinhos .
Abençoados os mansos,
pois deles será o reino dos céus .
Detesto as almas santas, os bem comportadinhos, os que vão à
missa com seus fatos domingueiros, os caixa de óculos, os pi-
descos, os que batem três vezes com a mão no peito, os jesuí-
tas, os padrecos que ajudam a padralhada, ao som das campa-
inhas celestiais, os sabujos, os que ladram e fogem, os que fo-
gem sem ladrar e os que mordem pela calada, os mariconsos,
os embusteiros, os traidores, os que fazem queixinhas, os que
choram os baixos proventos, mas vão enchendo paulativamen-
te os cofres privados e oficiais, e não cumprem com as suas obri-
gações fiscais e outras, os que lançam pedras à socapa, tentando
fingir que estão sob a alçada da lei, os que têm amigos sérios e
honrados, mas que não desdenham de um favorzito aqui, outro
favorzito ali, pequenos favores burgueses, uma mão lava a outra .
Os que vivem toda a vida do rabisco, do engano, da pequena al-
drabice de paróquia, da trafulhice de bairro e de aldeia, sorriso
aqui, sacanagem acoli, rezam o padre nosso e a salveraínha, ba-
tem a mão no peito, vezes sem conta, cumprem as ordens e os de-
veres dos seus superiores, sem pestanejar, a mando de outros
mansos deste país, jardim à beira mar plantado, gente proba e
feliz, mas que irão defrontar-se um dia com as chamas do infe-
rno .
Juízes em causa própria, esbirros por devoção, simples, hipócri-
tas, justiceiros à moda do oeste, heróis de novela, de terceira cate-
goria, essa gente mesquinha e asquerosa, indivíduos ressaibiados,
que se comportam como se fossem cavaleiros andantes, como nas
histórias da Távola Tedonda, pelo desígnio emanado pela sua da-
ma galante, falsos D. Quixotes de pacotilha, idiotas, salafrários,
ignorantes, biscateiros e outra gente de mau porte .
Trazem no bico pecados antigos, mas pensam que vão salvar o mun-
do de todos os pecados, os originais e os adquiridos .
Sabe-se como tudo irá acabar,
porque a inveja, tarde ou cedo, vai tomar lugar no banquete dessa
gente repugnável, que se julga estar a cumpria a lei, mas que estará
sempre acima da lei .
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