Já nem os gatos nascem
com os olhos fechados .
Como os crentes, quando são tocados pela Fé, dizem
espantados que lobrigavam a Luz,
o mesmo me aconteceu quando vim para Lisboa, para
ser engenheiro .
Aterrei de focinho na terra do Mal, e logo numa casa
de devassidão, no Lar dos Estudantes do IST, e por lá
fiquei durante dez anos .
Foi a minha segunda Universidade .
Foi então que comecei a descobrir o Mundo à minha
volta .
É que o mundo tinha duas faces, tal como a Lua,
a do conhecimento e da aventura, das coisas maravilho-
sas que se passavam à minha volta, e a parte negra e es-
condida, que nos ia mostrando todas as patifarias e mal-
dades da nossa cidade, do nosso planeta, da nossa vida .
Se eu já era um revoltado, cada vez mais fui descobrin-
do o cardápio das misérias humanas .
E compreendi que não era só o Salazar que era um
monstro .
A Terra estava pejada de monstros bem mais perigosos
e horrendos .
Descobri que o bem e o mal não era uma questão de des-
tino, ou de trágico maniqueísmo, era o espelho da reali-
dade da vida, que tinha bons e maus, ricos e pobres, co-
bardes e valentes, tal como existiam nas minhas brinca-
deiras de polícias contra ladrões, cowboys contra índios .
E que por um atavismo qualquer, eu calhava sempre do
lado dos fracos e dos oprimidos, dos pobres e dos índios .
Tinha-se quebrado a magia,
eu que tinha vivido, bem por dentro, a gesta dos vence-
dores da 2ª Guerra Mundial, com os americanos à cabe-
ça, comecei a aprender que o Mundo andava ao contrá-
rio e a história não era assim tão simples como parecia,
vista com um só
vista só com um olho .
Amanhã, se Deus quiser,
iremos até ao Trump .
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