O cúmulo da paciência
é meter um calhau numa gaiola
e esperar que ele cante .
Vou deixar o telefone esquecido em casa ou desligo-o proposita-
damente e assim já não fico à espera, feito parvo, para ver se al-
guém me telefona .
O telefone tornou-se um objecto obsoleto e perturbador, fonte de
ansiedade e impaciência .
Como é difícil a espera .
Quando era miúdo, ficava à tardinha, a fazer companhia à minha
mãe, até que o meu pai chegasse a casa .
Lisboa era, nessa altura, considerada uma cidade perigosa, sobre-
tudo para quem vinha das terras do interior, perto do campo, onde
as pessoas eram conhecidas e a vida mais calma .
O que mais me assustava na cidade grande, era o som assustador
das ambulâncias, a caminho do hospital de Santa Marta, que era o
Banco de socorro, e que ficava mesmo junto à minha casa, na Rua
Bernardim Ribeiro .
Imaginava sempre que alguém amigo ou da família pudesse ser um
passageiro que ali vinha .
Custou-me muito habituar-me a essa aflição até mudar de residência
e a vida me levar para outras experiências .
Mas, ainda hoje, sinto o silvo que atravessa a cidade, ou apenas o ima-
gine, tal a sua carga de desgraça com que ele marcou .
Na minha curta juventude gastava o tempo na ânsia de crescer e tor-
nar-me alguém na vida, ter dinheiro para o cinema, para os cromos,
para o bilhar, para andar de bicicleta .
Achava que ser criança, ir à escola, era uma grande chatice, era só o
longo caminho para se chegar a ser homem .
Pura ilusão de puto atrevido .
Gostava de ter sido aviador, vá lá a gente entender porquê .
Fabricava os meus aviões de balsa, que destruía muito rapidamente,
pois era uma actividade de risco .
Passava muito mais tempo a construir e a reconstruir os modelos, do
que a gozá-los em lançamentos .
Talvez me ficasse na memória um resto de ligação à engenharia .
Mas a minha paixão sempre foi o desenho e os bonecos .
Foi então que se iniciou a 2ª. fase da minha vida, agora já a sério, mas
com muita brincadeira à mistura .
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Entrei inopinadamente na vida adulta .
A escola industrial da Covilhã, e o Curso de Debuxador .
Aos 14 anos fiz-me um homem , e continuei à espera da vida .
Tinha acabado a fase da pequena malandragem e iniciado o período da
vadiagem .
Com a posse da minha primeira chave de casa, comecei a rodar em roda
livre, sem que ter que dar justificações a ninguém .
Era um novo velho mundo que se me deparava, tomando consciência de
outras realidades, abandonando a minha personalidade de criança, e en-
trando de cabeça na vida dos adultos .
De um dia para o outro .
Um mundo complicado, com outras responsabilidades, com outras preo-
cupações, outras tarefas, outras amizades, que baralharam completamen-
te a vida de uma criança feita homem .
O meu desejo de crescer depressa esvaiu-se, de repente .
Tinha crescido tão rápido, que fiquei para sempre criança .
A criança que ainda hoje teimo em ser .
Passei a coabitar uma adolescência perdida, com
uma maioridade fingida .
Não acompanhava os mais novos, mas não entendia os adultos .
Foi uma época muito difícil para mim .
Às vezes tirava partido da minha singular situação .
Como estudava de dia e de noite, acontecia por vezes baldar-me e andar na
galderice, ausentando-me do Colégio e da Escola Industrial .
No último ano do curso de Debuxador, ainda tirava umas horas semanais
para fazer o Estágio Curricular, na fábrica dos Irmãos Rosetas, na Covilhã .
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