Portugal tinha começado agora a sair muito lentamente
do abismo em que tinha caído,
tentava levantar a cabeça, até já os burocratas de Bruxelas
iam olhando para nós, espantados com os números que o
Mário Centeno ia cozinhando, sabe-se lá como, e a gerin-
gonça mostrava alguns sinais de boa saúde, habituando-se
à sua velocidade de cruzeiro .
Aproximava-se o período das férias, dando lugar à desbunda
geral de políticos e de neófitos e já se contavam as notas para
a miríade de concertos e festivais, espalhados um pouco por
todo o território nacional .
Álcool, sexo e rock and roll .
Até a nossa mísera oposição tinha baixado a sua fúria fixista,
baixando a crista ( onde é que já ouvi esta palavra ) .
Tudo corria no melhor dos mundos,
quando ocorreu o fenómeno da
trovoada seca .
Quem viveu no campo, mesmo que por pouco tempo, está
habituado a ler os sinais da natureza .
Longe do bulício das cidades, sente-sa ao longe, a tempestade
a aproximar-se sorrateiramente.
Primeiro instala-se um silêncio de morte .
Nem bichos, nem pássaros bulem, o silêncio corta-se à faca,
parece que a terra para .
O céu vai escurecendo, gradualmente, até assumir o negro o
negro de breu,
e começa o vento a uivar , primeiro ao de leve, depois como
um trovão .
De repente, soa um imenso trovão, parece que tudo vai des-
moronar-se . O astro explode e incendeia-se instantaneamente,
como se o sol tivesse surgido naquela escuridão .
E o mar desaba em cima de nós .
Podia ter acontecido assim.
Mas não.
Faltou a água na natureza .
Os néscios e os tecnocratas, por muito bons, que o sejam,
deveriam saber prever o imprevisível, mas não sabem, apesar de
a meteorologia ser considerada uma ciência (quase) exacta .
É conhecido o facto de uma borboleta, ao bater um pouco as asas
no Oceano Pacífico,
poder desencadear um ciclone, em pleno Oceano Pacífico .
.