Os bois os bois os boizinhos
Leões com corações de passarinhos
Ainda oiço o chiar do carro carregado até cima, com a folhagem
a roçar o chão, avançado lentamente pelo caminho marcado na
terra irregular, lamacenta, um trilho vincado por tantas viagens,
por muitos outros pequenos cultivadores .
A aventura desse dia era ir à mata, uma das minúsculas parcelas
de terreno, que o meu Avô Garcia tinha herdado em Vodra, uma
terreola bem junto a Seia .
O pecúlio da família incluía ainda uma pequena vinha, na Arrifana
e um pedaço de terreno cultivado por aí, nem eu sabia muito bem
onde se localizava .
Mas a tarefa do dia, ou do ano, era limpar o mato que cobria já
uma parte dos pinheiros, escolher um ou dois pinheiros para pro-
ver às necessidades da família .
Havia lá em casa um fogão a lenha, uma maravilha da engenharia,
uma espécie de porco mecânico, onde tudo era perfeitamente apro-
veitado .
Naquele tempo, anda se cozinhava no pequeno fogão a petróleo,
mas só para pequenos biscates, que a família era grande e a aumen-
tar de ano para ano .
A arma secreta era pois o grande fogão, que tinha muitas finalida-
des . Uma peça multifacetada e multi usos, que ainda hoje mexe
com a minha imaginação, e com o meu pobre corpo dorido .
Mais de uma vez provei a dôr da água a ferver, a escorrer pelas
pernas abaixo .
Deixei para trás o carro e os bois, chiando durante toda a viagem .
Muitas vezes me perguntava porque chiava o carro daquela manei-
na . Até parecia que eram mesmo os bois a queixar-se do esforço
hercúleo que faziam .
Por isso me vêm à memória os versos de António Lopes Vieira .
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