Ai, se a terra fosse plana.
Apontava a mira,
nem precisava de bússola ,
levantava o olhar, e ia por aí fora,
passava os rios, o Tejo, o Mondego, o Dão,
o Zêzere, o Alva,
e, num fechar de olhos, ali estava eu,
olhando a magnificência da serra da Estrela .
Celorico da Beira, Pinhanços, Nelas, Oliveira do Hospital,
Santa Comba Dão (a terra do Botas), Carregal do Sal, Moi-
menta da Beira, e toda aquela miríade de terras e lugares
que eu percorria na minha meninice, no Citroen arrastadeira,
em que o Senhor Marques dos Santos, amigo e condutor do
meu tio Luís, africanista e mais tarde, caixeiro viajante, que
negociava com cafés, amendóins e especiarias, me levava, logo
manhânzinha, percorrendo de tenda em tenda, cafés e restau-
rantes que nunca maia acabavam.
Tinha que passar pelo Luso e pelo Bus-
saco, mas como a minha Serra era a mais
alta de todas, conseguia ver tudo ao longe .
Vista do outro lado da Serra,
do Cabeço de Santo Estêvão, ficava extasiado com aquele ime-
nso presépio, que varria a Estrela, desde a Raia espanhola até
campos de arrôz, que se prolongam de Coimbra até à Figueira
da Foz, com os milhares de pirilampos que iluminavam todos
os lugares que, a partir dos anos vinte do século passado, dei-
xavam entrar a luz electrica, uma benção só possível pelas boas
águas e pelo génio e saber de Marques da Sllva, que ia de Gou-
veia à lagoa comprida, ajaezado num burro, para ir construir o
primeiro dique que guardava as águas, encanadas para a primei-
ra central hídrica da minha terra .
Através de tudo isso, conseguia visualizar a minha terra,
o Castelo, a Senhora do Espinheiro, Aldeia da Serra, a Carval-
ha, a Senhora de Fátima, Gouveia, Arrifana, S. Romão, Vodra,
Santana, e muito mais .
Os meus entes queridos trago-os
sempre comigo no pensamento e
no coração .
Eles me abrigam das tempestades
e me protegem das agruras da vida .
É assim que sempre viajo muito, sem sair de casa .
.