quarta-feira, 15 de novembro de 2017

REQUIEM pelos povos das Beiras .

Triste fado ser Beirão .

Fora dos grandes centros populacionais das terras beirãs, a
grande maioria das suas populações, vivia quase exclusiva-
mente uma agricultura de subsistência e da pastorícia .

Havia sempre uma pequena horta familiar, em regra com
plantação de vinha e, muitas vezes, de um pinhal repartido .
Nas serranias havia sempre um poço ou uma mina para a re-
ga e para as necessidades primárias .

A alimentação provinha do pedaço de terra comum e era com-
plementada pela criação de animais de pequeno porte .
A existência de porcos era mais rara  e só os mais abastados 
conseguiam lá chegar .

Levava-se o vinho a fazer na adega e o azeite no lagar .

Corta-se um ou dois pinheiros para a lenha, e o mato para fa-
zer a cama dos animais, que mais tarde era transformada  em
estrume, para alimentar as terras.

Era a maneira ancestral de evitar 
os incêndios florestais .

Havia fruta com fartura, de todas as variedades e preparada 
de diversas maneiras, compotas, frutos secos, sumos .

Era o que se chamava uma alimen-
tação mediterrânea, mas em pobre 
ou remediado .

Havia coisas que era necessário ir abastecer na mercearia ou 
no talho .
Era portanto viver num sistema de trocas (era eu que vendia os
molhos de couves e outros vegetais, angariando algum provento 
para a casa ) .

Uma tia minha era doceira, trazia os produtos necessários para
casa, e apresentava depois deliciosos bolos de encher o olho das 
vizinhas . A gente, os mais miúdos, regalava-se em provar, lim-
pando a massa com o salazar e tendo direito a um pequeno pe-
daço da guloseima .

O resto era suprido pelo ordenado do meu pai .

Contado desta maneira, parecia que vivíamos no Paraíso Terreal .
(devo lembrar que quando eu nasci, a Grande Guerra ainda iria
durar mais três longos e dolorosos anos ).

A pouco e pouco, a vida iria transformar imenso, até se atingir o 
holocausto das serras e das terras das beiras .

.

Quando do Big Bang, Deus criou o Mundo, criou os 4 elementos 
da Natureza , 

Terra, Água, Ar e Fogo .

Todos importantes e cada qual com a sua finalidade .
Parece que o fogo foi somente para assustar os humanos, mas ve-
io a descobrir-se mais tarde, que tinha muitas outras utilidades de 
grande importância .

Quando milhões de anos mais tarde, foi descoberto pelo Homem,
o nosso Planeta pulou e avançou, como bola colorida, entre as 
mãos de uma criança .

O fogo é pois uma coisa boa .

O que é mau é a maneira errada e preversa como é utilizado e 
abusado .

Voltando à realidade,

desde criança que convivo com a realidade dos fogos florestais .
Vivia à porta do Quartel de bombeiros da minha terra  . Era sem-
pre o primeiro a aparecer, quando a sirène tocava , um toque para
a vila, dois toques, quando o fogo era fora .

E apareciam a correr os bombeiros a ataviar-se à pressa, até partir
o primeiro carro de socorro .
Ainda não se sabia bem onde era o fogo, mas como havia 4 estra-
das, para a Serra, para S. Romão, Nelas ou Gouveia, 
nós, os mais miúdos deitava-nos a adivinhar o caminho seguido .

A nossa inocência marcava a terra com um acontecimento importante,
e não tínhamos ainda a noção dos perigos vividos, quer pelos bombeir-
os, quer pela povoações que circundavam as serranias .

Tudo fazia parte de um jogo, mais uma diversão aproveitada pelos lon-
gos dias de férias .

.

Porque ardem as Serras ?.

Sempre houve fogos florestais .

A prova mais evidente é que em todo o planalto central já só existem 
pedras .
Existe alguma vegetação rasteira, disseminada  nalguns sítios, como é o 
caso Nave de Santo António, e numa imensa quantidade de pequenos 
covões, de que o Covão da Ametade é o mais conhecido, pois coincide
com a nascente do Rio Zêzere .

No Verão , os rebanhos sobem à Serra e por aí permanecem até à che-
gada dos primeiros gelos, protegidos pelos cães Serra da Estrela, cães
especiais, treinados para a defesa e guarda dos animais e dos pastores .

Leões com corações de passarinho .

No Inverno, recolhem às aldeias, longe das ameaças dos lobos .

Para quem estiver interessado por este tema, aconselho a leitura do ro-
mance de Ferreira de Castro, 

A LÃ E A NEVE.

Certamente que os pastores, na sua labuta, serão responsáveis, por 
um ou outro fogo, mas sempre de pequena dimensão .

As causas dos fogos florestais são tantas e tão diversificadas, em es-
pecial os de grande dimensão, que agora todos andam em busca das
causas e dos responsáveis, tendo o vício chegado à Presidência da Re-
pública .

Devo confessar que imensos actores, de várias origens, de vários ofí-
cios, de todos os graus académicos, de muitas instituições, sabem o su-
ficiente para apontar aquelas causas dos incêndios, bem como pode-
riam ajudar a solucionar alguns dos problemas mais candentes dos fo-
gos, assim houvesse real interesse para minorar a tragédia vivida, em
maior ou menor grau, todos os anos pelos meses de Verão .

A memória dos homens é curta,

e a cupidez de alguns 

não tem limites .

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