UMA BOMBA AO RETARDADOR .
Carta a uma jovem portuguesa .
Vou escrever para ti, jovem portuguesa e particularmente
para ti, jovem estudante da nossa cidade(...) .
Sou um jovem que vive dentro de uma realidade juvenil, a
que quer compreender e a que que afirmar-se .
Por essa afirmação quero combater . A minha realidade é
igual à tua. Somos jovens . A minha liberdade não é igual à
tua . Separa-nos um muro, alto e espesso, que nem tu nem
eu construímos .
A nós rapazes, de viver do lado de cá, onde temos uma or-
dem social que em relação a nós nos favorece .
Para vós raparigas, o lado de lá desse muro ; o mundo in-
quietante da sombra e da repressão mental.
Do estatismo e da imanência(...)
Beijas-me e sofres . Dizes, não o devia ter feito, porque jul-
gas que o deverias ter feito .
Marinha de Campos Via Latina,
Semanário da Associação Académica de Coimbra,
1961 .
Carta aberta a todas as jovens, carta anónima, uma carta inofensiva que
hoje em dia nos faz sorrir com grande ternura .
Todavia, à época, numa sociedade dividida entre os jovens que frequenta-
vam as Repúblicas de Coimbra, e as raparigas arrebanhadas nos lares de
pobres meninas, chegadas da Província, tementes a Deus e às freiras, mui-
tas delas com temor e vergonha do seu próprio corpo e da própria realida-
de social em que estavam inseridas, a carta foi uma bomba que explodiu
com enorme estrondo, na caduca e obsoleta Academia Coimbrã, lançado
estilhaços em todas as direcções .
Numa altura em que os ânimos já estavam sobejamente exaltados com as
novidades acerca da guerra que todos nós teríamos de suportar, sabe-se lá
quando e em que condições, a carta funcionou como um sinal de alerta ge-
ral do perigo mortal a que iríamos ficar sujeitos, a qualquer hora e a qual-
quer pretexto .
Fàcilmente o incêndio se propagou às outras Academias, tocando a rebate
e inventando as modalidades de luta contra os senhores da Guerra .
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