domingo, 30 de abril de 2017

O SONHO INACABADO .

Saímos sempre os três, calçada a baixo, 
logo pela manhã, de mão dada .

Começávamos pela Manif do PCP, gente trabalhadora e que
madrugava, chegávamos ao Marquês de Pombal, pessoas de
lancheira, atarefada ainda a dar os últimos retoques para
a Festa, bandeiras vermelhas, ao som do Avante, e da Inter-
naional .
Encontrávamos sempre gente conhecida e perorávamos um 
pouco sobre o futuro, dizendo mal do passado .

Depois de o almoço, assistíamos um bocado ao pique nique, 
em regra montado na Alameda Afonso Henriques ,
Havia música portuguesa variada, comida à discrição, muitas
crianças em barafunda, e depois os discursos dos camaradas,
Ficávamos algum tempo na galhofa, mandando bocas uns aos
outros, com malta amiga e conhecida de muitos anos .
A Manif Festa prolongava-se pela tarde adiante .

De noite, já cansados, subíamos ao Largo do Carmo, ou aportá-
vamos à Rua António Maria Cardoso, uma Rua de má fama, 
éramos poucos, mas tesos, com a raiva estampada nos rostos, sem-
pre em busca da revolução que nunca mais chegava, tantas ve-
zes maltratada, traída a cada passo . 
As palavras eram duras e desafiadoras, às vezes com a polícia por
perto a vigiar .
Três pessoas da mesma família, cada uma selas incarnando dife-
rentes ideais, três visões diferentes sobre a vida, 
uma oriunda da esquerda fixista, outra da esquerda reformista 
e ainda outra que navegava na esquerda revolucionária .

Todos diferentes, todos iguais .

Todos na ânsia de alcançar o País e o Mundo, que todos pensáva-
mos e com que todos sonhávamos.
Todos com o mesmo objectivo, mas que poderia a ser alcançado 
por vias distintas .
.